segunda-feira, 28 de abril de 2008

“Que te parece que pretendemos fazer quando falamos”?

No seminário “A jovem Homossexual” discutimos a questão da mentira o que suscitou uma reflexão sobre o tema “sujeito e linguagem”. Em torno desse tema, apresento nessa ata um resumo? de dois textos, que a todo instante escapavam a minha esforçada? ou arrogante? tentativa de resumi-los. Vamos, então, apresentar um esforço de resumo do qual só me resta deixar para lá, palavras, nesse claro-escuro de onde lemos, escrevemos, falamos e também resumimos.

Em “Sujeito e Linguagem”, capítulo do Livro A Escrita do Analista, Ana Maria Portugal reflete sobre o tema psicanálise e linguagem. Ana Portugal propõe pensar o “sujeito como um lugar, um lugar vazio, visto que a estrutura do mundo semântico, no qual a fala se institui como tal, estabelece lugares de direcionamento da massa significante, entre os quais o do sujeito.”. Enquanto lugar lógico, o sujeito diz sempre além ou aquém do que sabe ou quer dizer. “A palavra se manifesta de través, à revelia do sujeito”. Disso, percebe-se que através da palavra o sujeito tanto se torna presente quanto deflagra sua divisão. Sobre essa divisão destacam-se(entre as funções sintomáticas da palavras) a ambigüidade, o erro e o equívoco que com correspondem à condensação, recalque, negação. “ As três funções, bem como as três operações, suportam o sujeito em sua divisão: O recalque como fundador, a condensação como formação substituta do recalcado e a negação como tentativa de superar as condições de inacessibilidade do recalcado. O erro é um exemplo interessante para mostrar essa divisão na medida em que a mesma é mascarada. O sujeito quando erra não sabe que está errando, isto é, o erro não se apresenta como tropeço, a não ser quando a “a falha aparece ou alguém aponta. Com isso o erro mostra uma divisão muito bem feita, que separa mesmo uma parte, da qual o sujeito não quer saber”.A negação(suspensão lógica do recalque) por sua vez presentifica a divisão, “que aponta o sujeito como padecendo do campo do Outro, mas não disposto a aceitar, sem corte, essa sujeição” .A condensação que aponta para a ambigüidade de sentidos quando falamos “opera, paradoxalmente, também no sentido da divisão, da separação”.
Assim diante desse sujeito que tropeça, ou melhor, que “é um resto, um tropeço”, surge a pergunta sobre a verdade. “ A linguagem é aí questionada como o campo da suposição,da conjectura, da mentira”. É interessante sublinhar que esse registro tanto do erro como também do desconhecimento e da negação, no qual se encontra o discurso psicanalítico, aponta para a dimensão da verdade. Ana Portugal, apresenta a seguinte passagem de Lacan a esse respeito:“A palavra pode ser enganadora. Ora, por si só, o signo só pode se apresentar e sustentar na dimensão da verdade. Porque, por ser enganadora, a palavra se afirma como verdadeira. Isso para aquele que escuta. Para aquele que diz, o próprio engano exige o apoio da verdade que se trata de dissimular, e à medida que a palavra se desenvolve,supõe um verdadeiro aprofundamento da verdade, à qual ela responde”. Vale a pena ressaltar que essa relação do sujeito com a verdade vai apontar também para o desmentido e a rejeição(forclusão). Mas também com o jogo. Essa concepção de jogo para a psicanálise vai em direção contrária a de Wittgenstein, na medida em que “Freud ousa fazer pensar que o inconsciente não se reduz a uma pragmática, a uma forma de vida, que o homem não é usuário de seu inconsciente, e tampouco gerente de uma psique forma de vida. Há com a sexualidade e com o Outro uma relação de ‘equivocidade estrutural’, um fora-de-jogo, ao qual Freud confere um status com a noção de recalque primário, no qual se dá a fixação e a exclusão simultâneas do ‘representante psíquico da pulsão’.Tal é a lei com a qual o sujeito tem de se haver, lei que exclui o saber como todo, e instala a divisão, que sempre pesará sobre seus ombros, impelindo-o a lidar com isso, produzindo invenções”.


No capítulo “A Função significante da palavra: Lacan e Santo Agostinho” do livro Palavra e Verdade, Garcia-Roza nos apresenta a concepção agostiniana sobre a relação entre palavra e verdade. “ Para Santo Agostinho, a verdade não habita a palavra. Não é a palavra, enquanto verdade exterior, que produz a verdade. Esta, através da nossa interioridade, é que possibilita a palavra.(...).Mas, ao articular a palavra com a interioridade e com a verdade, Agostinho remete-a também simultaneamente ao registro do erro, do equívoco, da mentira. E é por referência a esse registro que podemos situar a questão do sujeito. É isto que interessa particularmente a Lacan em sua análise. É porque o outro é capaz de mentir, que sei que estou em presença de um sujeito. Se dois interlocutores fossem impedidos de mentir, de enganar, de ocultar, se fossem obrigados por alguma força superior a dizer ‘apenas a verdade e nada mais que a verdade, não poderíamos, a rigor, falar de relação intersubjetiva, a subjetividade cederia lugar à objetividade plena. O ‘minto, logo sou’ ou o ‘equivoco-me, logo sou’, são antecipações legítimas do cogito, ergo sum de Descartes. (...). Segundo Lacan, dizer que a verdade habita a interioridade do sujeito não significa eliminar o fato de que a palavra se instaura e se desloca na dimensão da verdade, mas sim que em presença das palavras não sabemos se elas são verdadeiras ou não;elas estão também inevitavelmente situadas no registro do erro, da equivocação, da mentira. Daí o título do segundo capítulo do De Magistro. “ Que os signos não servem de nada para aprender”. O signo é enganador, diz Agostinho, porque não mantém nenhuma relação natural com a coisa. A função significante da palavra não se faz pela relação que ela possa ter com a coisa significada, mas sim pela relação que ela tem com as outras palavras. Assim, diz Lacan, ‘a linguagem só é concebível como uma rede, um teia sobre o conjunto das coisas, sobre a totalidade do real. Ela inscreve no plano do real esse outro plano a que chamamos aqui o plano simbólico’. Tomados um a um, a relação do significante e do significado é inteiramente arbitrária. A razão pela qual as coisas têm o nome que têm não está na coisa nem no signo considerado isoladamente, mas nas definições, isto é, nas relações entre os signos. Como as definições são equívocas e enganadoras, a verdade só pode ser encontrada fora da linguagem: na interioridade do sujeito. É a interioridade que sustenta a verdade do signo”.
Segundo Garcia-Roza, a psicanálise instituindo um novo caminho, a via da verdade que percorre a psicanálise, é aquele “caminho das equivocações, lapsos, ambigüidades da palavra. É aí que habita a verdade do desejo, é por aí que o inconsciente faz suas irrupções, e é também que se inscrevem a condensação(Verdichtung), o recalcamento(Verdrängung) e a denegação(Verneinung).(...) É por percorrer os caminhos da Verdichtung, da Verdrängung, e da Verneinung, que a psicanálise tem como regra fundamental a associação livre, procedimento que permitirá o rastreamento das múltiplas determinações do sentido. Freud recupera, assim a via da opinião que havia sido rejeitada pelo discurso conceitual, e o faz não no sentido de opô-la à via da verdade, mas no sentido de mostrar que verdade e erro não são excludentes, posto que é precisamente na dimensão do erro e do equívoco que a verdade faz sua emergência”.
Cleide Scarlatelli

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