segunda-feira, 21 de abril de 2008

O QUE O ANALISTA FAZ? CIÊNCIA?

O inconsciente não conhece a contradição (Freud, S)

A ciência é um conjunto de conhecimentos coordenados e relativos a um objeto determinado ou aos fenômenos de uma ordem ou classe. Caldas Aulete: Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa.
Muito da teoria da psicanálise teve seu fundamento no mecanicismo e no determinismo. Essas influências vieram de um grupo de pesquisadores da época que atribuíam as funções do corpo como um todo, às propriedades físicas e químicas iguais a dos objetos inanimados. Nesse início, Freud aceitou esse fisicalismo, acreditando também, que o comportamento era resultante de forças pré-determinadas sempre dentro de uma explicação. Além disso, sua teoria sofreu influências de Charcot e seu método de hipnose; de Janet que dizia que a deteriorização da memória, as idéias fixas e outros sintomas eram de causas psíquicas e de Darwin, através de sua teoria das diferenças individuais dentro da mesma espécie, levantando a hipótese de uma linha de continuidade entre o comportamento dos animais inferiores até o homem, o que suscitou em Freud a teoria da continuidade emocional da infância até a idade adulta.
A psicanálise não foi desenvolvida dentro dos muros universitários e não estava no campo da ciência pura, pois nasceu da observação clínica dos pacientes de Freud. Porém a psicanálise se relaciona com o discurso da ciência, pois seus conceitos fundadores são tradicionais no campo da Fisiologia a saber: a sensação, a percepção e a aprendizagem; seu método é a da observação clínica; e seu objeto de estudo são as estruturas clínicas.
Segundo Jéferson Pinto (Por que os Ratos não Falam?) A psicanálise vive, um paradoxo que o behaviorismo se considerado um legitimo representante da ciência, não vive. A psicanálise tem a mesma necessidade da ciência, mas é um discurso construído para recolher aquilo que a ciência expurga, ou seja, a causa do desejo do sujeito....A psicanálise só se sustentou até hoje, em um mundo tão objetivante, porque Freud era um cientista e, como tal, adotou um procedimento científico. Ele formulou o inconsciente como um objeto de estudo, o que, até, então, era inimaginável.
No entanto não é possível saber antecipadamente do inconsciente do sujeito da psicanálise, porque isso é do campo da singularidade, requerendo uma construção durante todo tempo do processo analítico. Se a ciência diz de um conjunto de conhecimentos que se acumulam formando uma teoria refutável que pode ser verificada, quantificada, etc., como podemos aplicar esses parâmetros ao inconsciente? Lacan em sua palestra sobre a psicanálise e a universidade, mostra que: A psicanálise comporta a conversão do sujeito, obriga-o a se colocar de outra forma quanto ao saber. Como o sujeito esvaziado, evanescente de Descartes, é um sujeito dito “antiuniversitário”. O sujeito na experiência psicanalítica imagina-se procurando a verdade, aquém ou além do saber. Não a encontra; mas ela sim, o encontra. A isso chamamos, lapso, chiste: momento em que o sujeito se depara ultrapassado pela palavra. Eis a razão por que tal sujeito está num estado de divisão e não no estado de controle, como no discurso universitário.
Assim perguntamos: Qual a garantia que se aplicarmos a teoria psicanalítica de uma determinada estrutura clínica em um analisando, seguindo uma técnica e uma metodologia, ele encontrará a sua verdade da mesma maneira que um outro vivencia a sua destituição subjetiva? Adotar uma posição, da ciência, de transmitir um conjunto de conhecimentos não é uma injunção do discurso psicanalítico. Mas nessa construção da verdade e da singularidade do sujeito do inconsciente o que os analistas fazem? Uma anticiência? Ou fazem cientistas?

Heloisa Mamede
Referências
Lacan, J. A Psicanálise na Universidade. In Lacan Elucidado: Palestras no Brasil. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1997.
Pinto, M.J. Por que os Ratos não Falam? In: Psicoterapias: Paradigmas em Colisão? IV Seminário de Pesquisa do Departamento de Psicologia da UFMG. 1996.

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