domingo, 27 de abril de 2008

“..uma homossexualidade latente ou inconsciente pode ser detectada em todas as pessoas normais!

“..uma homossexualidade latente ou inconsciente pode ser detectada em todas as pessoas normais .Evidentemente cai por terra a suposição de que a natureza criou de maneira aberrante, um terceiro sexo “(Freud, pag 211 vol-III)


Esse trabalho se propõe a fazer uma reflexão sobre o estudo de caso da jovem homossexual de Freud (vol. X 1920) relacionado à obra biográfica de Sidonie Csillag lançada em 2000, de autoria de Inês Rieder e Diana Voigt. A aproximação entre o texto de Freud e a biografia nos permite refletir sobre a sexualidade humana, que está submetida aos destinos das pulsões e, não, do instinto, cujo objeto é pré-determinado. E é na descrição da sexualidade que se esboça a noção freudiana das pulsões, partindo da sexualidade infantil e dos estudos das perversões, mostrando como o objeto das pulsões é variável e contingente e que o corpo pulsional não é um corpo biológico.

Na conferencia XXI(1915-1917) que trata do “Desenvolvimento da Libido e as Organizações Sexuais” ele procura despertar a atenção dos ouvintes para questões que poderiam ajudá-los na difícil compreensão da sexualidade humana, mostrando como a condenação social das perversões prejudica as pesquisas cientificas e que até mesmo se nota em algumas pessoas uma certa inveja daqueles que experimentam práticas perversas. E que os atos sexuais dos pervertidos, por mais estranhos que sejam seus objetos e fins, produzem descargas genitais e orgasmo. E que os traços perversos quase sempre estão presentes na relação normal como o beijo que une duas zonas erógenas e não dois genitais, sendo portando um desvio perverso e mesmo assim aceito nas representações teatrais. E o que define a perversão é a exclusividade com que se efetuam os desvios sem finalidade reprodutiva, não pela “extensão do objetivo sexual nem pela substituição dos genitais e, mesmo, nem sempre na escolha de objeto”. Concluindo que “o abismo entre sexualidade normal e perversa é, naturalmente, muito diminuído por fatos dessa espécie”.( Conferencia XXI pág 377)

Freud utiliza a matriz reprodutiva para dizer à sociedade da época, que ela não é suficiente para explicar a sexualidade humana..

Ao iniciar o texto de 1920 Freud fala do descaso da psicanálise sobre a homossexualidade feminina. Fato que a meu ver tem sua fonte no desconhecimento da sexualidade feminina própria da cultura e da medicina psiquiátrica da época

Franco da Rocha em seu esboço sobre psiquiatria forense-1904 fala: “uma alienada, de excitação maníaca intermitente, que entra em perfeita saúde mental quando esta grávida,caindo sempre em perturbação quando fora da gravidez” e outro brasileiro psiquiatra de renome e romancista cria, em 1925 , a personagem Cora ,uma mulher
que se recusa a ter filhos ,comete um aborto , dedica sua vida inteiramente aos seus cães –enlouquecendo “de vez”( Historia das mulheres no Brasil- pág. 336-337-Psiquiatria e Feminilidade Magali Engel). Esta associação da loucura com a recusa da maternidade, fazia parte do retrato da família no mundo ocidental com a finalidade de controlar a sexualidade feminina vista com objetivo único, a procriação Aos homens eram designados outros papeis, sucesso profissional e cultural, aliado a uma vida sexual plena fora da família .

É dentro deste contexto que podemos entender as referencias feitas por Freud as dificuldades inerentes a compreensão da sexualidade feminina citadas no texto de 1923 Em “Organização Genital Infantil”(vol XIX-1923 ) ao tratar do caráter principal da organização genital infantil :
“o caráter principal da organização genital infantil ...reside em que ,em ambos os sexos ,um único órgão genital, o órgão masculino ,tem seu papel a desempenhar .Não existe portanto uma primazia do genital mas do falo ,” “Infelizmente, só podemos descrever esse estado de coisas na criança do sexo masculino ;falta-nos conhecimento dos processos correspondentes na menina( pag39 “As origens femininas da sexualidade Jacques André”” ) .
E só foi publicar, seu trabalho”Sexualidade Feminina aos 75 anos de idade.

Sidonie sempre foi uma estranha para os padrões culturais de sua época: homossexual- não gerou filhos, perseguida em nome de um povo o qual ela afirmava(negava) não pertencer, cristã de batismo e judia de origem,apátrida. Com o término da segunda guerra mundial e mudança do mapa da Europa, Sidonie, de nacionalidade austríaca,passa a ter nacionalidade soviética, não obstante detestar o regime político, recusando o passaporte soviético.

Nessa conjuntura foi adquirindo uma forte personalidade já inferida por Freud, ao despedir-se dela em Berggasse:
“-Usted tiene unos ojos tan inteligentes! No quisiera encontrarme em la vida com usted em calidad de enemigo” * pag.19 Sidonie Csillag





Adendos

Fatores determinantes na formação de uma identidade como família , meio social são descritos na biografia de Sidonie, através das relações e escolhas amorosas”( amantes do mesmo sexo e do sexo oposto; Petzy o cachorro que a acompanhou durante toda sua vida no exílio , relações com as famílias nas casas onde trabalhou ) e passam ao leitor desavisado a impressão de uma pessoa que atravessou uma grande fogueira sem se queimar. Após escrever este parágrafo, lembrei-me do primeiro texto que escrevi para uma jornada do IEPI . Tudo que existe no mundo dos vivos ,existe para aparecer e ser percebido pelos sentidos ,para isto que é que a nossa natureza foi dotada de órgãos sensoriais .Existimos a medida que aparecemos isto é, somos percebidos pela nossa mãe ,pai e seus representantes ,assim por diante .Somos indivíduos que percebem e são percebidos .Freud em suas conferências alertava seus interlocutores no sentido de um ordenamento no raciocínio,para não serem confundidos pelos sentidos. E Hanna Arendt “tudo que aparece adquire , em virtude de sua fenomenalidade ,uma espécie de disfarce que pode de fato, embora não necessariamente, ser para desfigurar ou ocultar “-(H.A. A vida do espírito –pag-19)


Lucia Cunha Frota




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