segunda-feira, 7 de abril de 2008

O DIZER DA INOCÊNCIA NO EROTISMO



O caso da jovem homossexual

Ao procurar as fontes que permitam retraçar uma história da homossexualidade através das eras, uma constatação impressiona o espírito curioso: a história da homossexualidade é a história da homossexualidade masculina. Na realidade, não se atribui importância à homossexualidade feminina , na medida em que o erotismo entre as mulheres não comporta os mesmos riscos-conscientes e inconscientes que o erotismo entre os homens. Convém, na verdade, se quisermos examinar essa questão com um pouco de seriedade e apuro, tomar como ponto de partida de nossa reflexão, o fato de que a homossexualidade feminina e a masculina não são simétricas. A dessimetria faz-se notar,primeiramente, no nível da relação com o pai.O homem homossexual cede todas as mulheres ao pai e assim se esquiva de qualquer conflito com ele, a mulher homossexual, por sua vez, ao abandonar todos os homens à mãe , só faz preparar o terreno onde se atribui a missão de enfrentar o pai no próprio campo de seu desejo. Serge André In: A Impostura Perversa

A leitura do romance Sidonie Csillag: La joven homossexual de Freud de Inês Rieder e Diana Volgt, produz um estranhamento perante o amor de adoração da jovem Sidonie (Sidi) pela dama (Leonie). Será que as mulheres são amadas, desse modo, quando se trata de um homem? Sidi era uma jovem protegida, sem experiências sexuais e apesar do meio mundano em que se encontrava com a dama, permanecia intocável, inocente, sem nenhum saber sobre o desejo erótico. Queria, apenas, ser a única da Outra entre todas as mulheres que cortejam a dama.
Sidonie pronto se da cuenta de que, probablemente, es la única persona femenina “correcta” em el entorno lascivo de su hermosa. Su amor es tan fuerte que en algún momento, se instalará en lo profundo del corazón de Leonie.
De que estrutura estamos falando? Seria essa passagem de ser a única e absoluta ao lado de Leonie, nessa recusa ao gozo sexual, uma posição de assujeitamento ao registro do imaginário como objeto falo que tampona a falta materna,objeto único do desejo do outro? Ou seria o imperativo de se tornar o falo da dama em uma posição masculina própria da estrutura histérica? Não ter o encargo do gozo é algo que a histérica se interroga colocando em julgamento a questão da função paterna e seus limites.
Tantas são as perguntas, tantas são as leituras que fazemos... quem sabe encontraremos algumas respostas na mãe sedutora ou no pai rico e poderoso?
A mãe de Sidi era de grande beleza, coquete bastante assediada pelos homens, porém mantendo- os à distância, fazendo de sua imagem corporal, um falo. É nessa posição que expõe a sua feminilidade ao pai de Sidi, mostrando para o mesmo a sua fraqueza de não ser homem suficiente para ela. Sidi (a rival) sempre fora preterida pela mãe que a mantinha distante do pai, além de se desmanchar em carinhos para com os três filhos homens. O pai rico e poderoso era distante, exigente, rígido com a família e ao mesmo tempo fraco, bancando o homem em uma posição de passividade antes de tudo feminina, perante essa esposa sedutora. Freud nos mostra que é no desejo pelo pai, quando recalcado, que estaria a origem da histeria. A passividade da histérica perante o desejo do Outro, responderia, então, ao desejo de restaurar a figura paterna. Essa irrealização tem seu contraponto na fantasia de preencher a hiância constituída pela castração da mãe.
A mulher não existe, diz Lacan. Isso implica na inexistência de uma identidade propriamente feminina, ou seja, a ausência de um significante da feminilidade. A mulher identifica-se ao falo pela lógica de ser objeto de desejo, sendo o mais além dessa identificação, o reencontrar dos impasses da relação com o Outro materno e com o imperativo do gozo.
Dentro dessa lógica lacaniana a questão de Sidi seria afastar-se dos homens deixando-os para a mãe e/ou mostrar ao pai que queria ser amada por sua feminilidade além de um objeto desejável? Argumento que Sidi não queria ser desejada, mas sim encarnar o modelo de perfeição buscando o amor ideal. Não é essa sempre a procura da histérica, o amor total numa mistura de amor e desejo? Seria, então, a homossexualidade de Sidi aquela a que a histérica é conduzida por sua neurose ou a da posição perversa que a fazia se interessar por outra mulher experimentando um gozo inacessível ao homem? Na posição perversa a mulher sustenta que está em melhores condições do que o homem para fazer a outra mulher gozar. É verdade, que a introdução de Freud entre essas duas mulheres, correspondeu a inserção de uma figura masculina a qual a jovem ironizava e burlava contando seus encontros com a dama como se fossem sonhos. Mas não seriam fantasias histéricas?
Termino, citando Serge André em sua fala sobre o desejo histérico: a homossexualidade na histérica está ligada à identificação com a outra mulher, em quem ela busca o enigma da feminilidade, e não com o objeto de seu desejo. A outra mulher por quem ela se apaixona, encarna a imagem ideal através da qual pode gozar consigo mesmo por procuração. A outra mulher é, na realidade, uma imagem do Outro, ou seja, daquilo que sempre permanece inacessível na feminilidade e impossível de delimitar enquanto objeto sexual. Eis ai a jovem homossexual de Freud.
P.S.. Aguardo o desmentido.
Heloísa Mamede Silva Gonzaga
Referências
Freud, S. A Psicogênese de um Caso de Homossexualismo numa Mulher. ESB, vol. XVIII, Rio de Janeiro, ed. Imago, 1996.
Lacan, J. Seminário Mais Ainda. Rio de Janeiro, ed. Jorge Zahar, 1985.
André, S. A Impostura Perversa. Rio de Janeiro, ed. Jorge Zahar, 1995.





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