quarta-feira, 14 de maio de 2008

Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e no homossexualismo


09mai2008.
Resumo do texto:
ALGUNS MECANISMOS NEURÓTICOS NO CIÚME, NA PARANÓIA E NO HOMOSSEXUALISMO – 1922 – Vol. XVIII, pág. 271 a 281 - Ed. Standard Brasileira.

Seminário: O caso da jovem homossexual. Coordenação: Ângela Porto.


A
O ciúme é um estado emocional, que juntamente com o luto, podem ser considerados como normais. Quando a pessoa diz não possuí-lo, inferimos que esse conteúdo sofreu severo recalque, e que este movimenta ainda mais sua vida mental inconsciente. Os exemplos de ciúmes que se manifestam de forma anormalmente intensos na clínica apresentam-se em três graus: (1) competitivo ou normal, (2) projetado, e (3) delirante.

1. O ciúme competitivo ou normal se compõe essencialmente: “do pesar, do sofrimento causado pelo pensamento de perder o objeto amado, e da ferida narcísica; de sentimentos de inimizade contra o rival bem sucedido, e de maior ou menor quantidade de autocrítica, que procura responsabilizar seu próprio eu pela perda sofrida”. Apesar de podermos considerar esse ciúme de normal, não podemos considerá-lo como racional, como conseqüência de circunstâncias reais, nem de que está sob controle do eu. Esse conteúdo encontra-se profundamente enraizado no inconsciente, por se relacionar com as primeiras manifestações da vida emocional da criança, e originar-se do complexo de Édipo, ou de irmã-e-irmão do primeiro período sexual. É relevante ressaltar que em algumas pessoas, “esse ciúme é experimentado bissexualmente: um homem pode não apenas sofrer pela mulher que ama e odiar seu rival, mas também poderá sentir pesar pelo homem, a quem ama inconscientemente, e ódio pela mulher, como sua rival”. Esse último conjunto de sentimentos inconscientes intensificará seu ciúme, e estarão diretamente ligados a história libinal particular do indivíduo.

2. “O ciúme projetado deriva-se tanto nos homens quanto nas mulheres, de sua própria infidelidade concreta na vida real ou de impulsos no sentido dela que sucumbiram ao recalque”. Por falta de recursos simbólicos de lidar com o sentimento do ciúme, o recalque entra como defesa contra ele. Na realidade cotidiana, a fidelidade, principalmente a exigida pelo casamento, só se mantém em face de tentações contínuas. “Qualquer pessoa que negue essa tentação em si própria sentirá uma forte pressão, e ficará satisfeita em utilizar um mecanismo inconsciente para aliviar sua situação”. Para obter esse alívio, a absolvição de sua consciência, projeta seus próprios impulsos recalcados à infidelidade no companheiro a quem deve fidelidade. Assim pode então fazer uso do sentimento de infidelidade, recalcado em si mesmo e projetado no companheiro, justificando com a reflexão de que o outro provavelmente não é tão bom quanto ele próprio.
As convenções sociais perceberam essa questão da projeção de infidelidade no outro, a consideraram uma questão universal, e “concederam certa amplitude ao desejo de atrair da mulher casada e à sede de conquistas do homem casado, na esperança de que essa inevitável tendência à infidelidade encontrasse assim uma válvula de escape e se tornasse inócua”, isto é, o sentimento de sentir-se desejada e desejar atrair fazem parte do contexto social. E quando um dos parceiros se percebe nessa rede de sentimentos, a própria satisfação percebida no desejo despertado no outro, o faz retornar à fidelidade ao objeto original. “Uma pessoa ciumenta, contudo, não reconhece essa convenção de tolerância; não acredita existirem coisas como interrupção ou retorno, uma vez que o caminho tenha sido trilhado, nem crê que um flerte possa ser salvaguarda contra a infidelidade real”. Na clínica de uma pessoa ciumenta nesses moldes, que possui um caráter quase delirante, deve-se abster da discussão do material em que se baseiam suas suspeitas e sim visar levá-la a encarar o trabalho analítico de exposições das fantasias inconscientes da sua própria infidelidade.

3. A pior posição em relação ao ciúme é o tipo delirante verdadeiro. Este também tem sua origem em impulsos recalcados no sentido da infidelidade, mas o objeto, nesses casos, é do mesmo sexo do sujeito. O ciúme delirante é o que resta de um homossexualismo que cumpriu seu curso e corretamente toma sua posição entre as formas clássicas da paranóia. Como tentativa de defesa contra um forte impulso homossexual indevido, ele pode, no homem, ser descrito pela fórmula: ‘Eu não o amo; é ela que o ama!’. Num caso delirante estão presentes as três formas do ciúme.

B

Paranóia – Os casos de paranóia geralmente não são sensíveis à análise, por razões bem conhecidas.

Os que sofrem de paranóia persecutória não conseguem encarar nada em outras pessoas como indiferentes e tomam indicações insignificantes que essas outras pessoas desconhecidas lhes apresentam e as utilizam em seus delírios de referência. O significado de seu delírio de referência é que espera de todos os estranhos algo semelhante ao amor, isto é, algo onde ele possa vislumbrar algum enlace. No entanto essas pessoas não lhes demonstram nada desse tipo, porque são estranhas a ele e realmente não se encontram em relação com o mesmo. E o paranóico entende essa indiferença do estranho como ódio, em contraste com sua reivindicação de amor.

No caso dos paranóicos ciumentos e dos persecutórios, eles não projetam exteriormente para os outros, o que não desejam reconhecer em si próprios. “Eles se deixam guiar por seu conhecimento do inconsciente e deslocam para as mentes inconscientes dos outros a atenção que afastaram da sua própria”. Ficam a mercê do inconsciente (inconsciente a céu aberto). Os paranóicos não utilizam o mecanismo do recalque, e da projeção. Estão fundidos ao objeto, portanto não possuem a capacidade de expulsar, no caso a infidelidade, de si próprios e projetá-las no outro. “Podemos inferir que a inimizade vista nos outros pelo paranóico perseguido é o reflexo de seus próprios impulsos hostis contra eles. Sabendo que, no paranóico, é exatamente a pessoa mais amada de seu próprio sexo que se torna seu perseguidor, surge a questão de saber onde essa inversão de afeto se origina”. A resposta está na sempre presente ambivalência de sentimento que fornece-lhe a fonte e a não realização de sua reivindicação de amor, isto é, como está fundido ao outro, é o próprio alvo de seu amor, ou de seu ódio.

C

Homossexualismo – O processo psíquico típico vinculado à origem do homossexualismo foi descritos no Cap. III do estudo sobre Leonardo em 1910. Neste texto Freud nos diz que as teorias sexuais infantis procuram explicar uma face do homossexualismo. Esta estaria ligada a fase pré-edípica, quando o menino começa ter curiosidade pelo sexo. Fica interessado em seu próprio genital considerando-o valiosíssimo, e crê que todos os seres humanos o possuem. Nesta época então, o genital masculino é compatível com a imagem da mãe. Este conceito é tão marcante que não desaparece nem mesmo quando da primeira vez observa o genital das meninas. “Sua percepção mostra-lhe que há alguma coisa diferente do que ele possui, mas é incapaz de admitir que o conteúdo de sua percepção é que ele não pôde encontrar um pênis nas meninas. A sua falta é intolerável, então ele encontra outra explicação, de que as meninas também o possuem, só ainda é muito pequeno, e que depois ele crescerá. Mais tarde quando percebe que isso não acontecerá, encontra outra explicação, as meninas também tinham um pênis, mas ele foi cortado e em seu lugar ficou apenas uma ferida. Esse avanço teórico já implica experiências pessoais de caráter penoso: nesse intervalo o menino já terá ouvido ameaças de lhe cortarem o órgão que tanto preza, caso venha a demonstrar um interesse demasiadamente ostensivo por ele. Sob a influência dessa ameaça de castração, ele agora interpreta de modo diferente o conhecimento adquirido sobre genitais femininos; daí em diante receará por sua masculinidade, ao mesmo tempo, menosprezará as infelizes criaturas que já receberam o cruel castigo, conforme presume”. Pág. 88. Vol. XI.

Com esse cenário de pano de fundo os mecanismos que contribuem para o resultado do homossexualismo seriam:

1. Uma forte fixação na mãe, o que dificultaria o jovem de passar para uma outra mulher. A identificação com a mãe é resultado dessa fixação, o que permite ao filho permanecer fiel à ela que foi seu primeiro objeto. O menino se identifica com a mãe que deseja um homem.

2. Uma inclinação à escolha narcísica. O menino recalca seu amor pela mãe em função da decepção causada pela incapacidade de tolerar a ausência do pênis em seu objeto amoroso. A depreciação das mulheres, a aversão e até mesmo o horror a elas derivam-se desse precoce desapontamento. O menino então se coloca no lugar da mãe; identificando-se com ela, e toma a si próprio como modelo a que devem se assemelhar os novos objetos de seu amor. O que de fato ocorreu foi um retorno ao auto-erotismo, pois os meninos que ele agora ama à medida que cresce, são apenas, figuras substitutas e lembranças de si próprio. O menino se identifica com a mãe que ama meninos à sua semelhança.

3. Uma consideração excessiva pelo pai, ou o medo dele, porque a renúncia às mulheres significa que toda a rivalidade com aquele (ou com todos os homens que podem tomar seu lugar) é evitada. O menino ama a seu pai, recalcando a rivalidade e renunciando às mulheres.

“Os dois últimos motivos – o apego à condição de existência de um pênis no objeto, bem como o afastamento em favor do pai – podem ser atribuídos ao complexo de castração. A ligação à mãe, o narcisismo, o medo de castração são os fatores (que, incidentalmente, nada têm em si de especial) que até o presente encontramos na etiologia psíquica do homossexualismo; com eles é preciso efetuar o efeito da sedução, responsável por uma fixação prematura da libido, bem como a influência do fator orgânico que favorece o papel passivo no amor.”

4. Um quarto mecanismo seria desenvolvido durante a primeira infância, quando o menino sente ciúmes da mãe em relação aos seus rivais (irmãos mais velhos), provocando nele uma atitude excessivamente hostil e agressiva para com esses irmãos, às vezes atingindo a intensidade de desejos reais de morte. Diante da impotência de lidar com esses sentimentos, esses impulsos são recalcados e se transformam, de modo que os rivais passam a ser objetos amorosos. Esse novo mecanismo se distingue dos demais pelo fato da mudança efetuar-se em um período mais precoce e a identificação com a mãe retroceder para o segundo plano. Esse mecanismo leva apenas a atitudes homossexuais que não excluem a heterossexualidade e não envolvem o horror à mulher.

Essa transformação do ódio ao rival em objetos amorosos conduz ao surgimento das pulsões sociais no indivíduo. “Há primeiro a presença de impulsos ciumentos e hostis que não podem conseguir satisfação, e tanto os sentimentos afetuosos quanto os sentimentos sociais de identificação surgem como formações reativas contra os impulsos agressivos recalcados.”

Enquanto os homens encaram os outros homens como rivais, os homossexuais os vêm como objetos potenciais amorosos. Os homens mantêm o sentimento de rivalidade e ciúme, enquanto os homossexuais o recalcam e o transformam em amor. Por isso percebe-se que muitos homossexuais se caracterizam por um desenvolvimento especial de seus impulsos sociais, mostrando uma vinculação clara entre a homossexualidade e o sentimento social.

“À luz da psicanálise, estamos acostumados a considerar o sentimento social como uma sublimação de atitudes homossexuais para com os objetos. Nos homossexuais com acentuados interesses sociais pareceria que o desligamento social da escolha de objeto não foi inteiramente efetuado”.

Simone Caporali Ribeiro

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