quarta-feira, 30 de julho de 2008

DE DORA A SIDONIE OU DA METÁFORA A METONIMIA


Heloisa Mamede Silva Gonzaga

Ao procurar as fontes que permitam retraçar uma história da homossexualidade através das eras, uma constatação impressiona o espírito curioso: a história da homossexualidade é a história da homossexualidade masculina. Na realidade, não se atribui importância à homossexualidade feminina,na medida em que o erotismo entre as mulheres não comporta os mesmos riscos-conscientes e inconscientes que o erotismo entre os homens. Convém, na verdade, se quisermos examinar essa questão com um pouco de seriedade e apuro, tomar como ponto de partida de nossa reflexão, o fato de que a homossexualidade feminina e a masculina não são simétricas. A dessimetria faz-se notar, primeiramente, no nível da relação com o pai.O homem homossexual cede todas as mulheres ao pai e assim se esquiva de qualquer conflito com ele, a mulher homossexual, por sua vez, ao abandonar todos os homens à mãe, só faz preparar o terreno onde se atribui a missão de enfrentar o pai no próprio campo de seu desejo. Serge André In: A Impostura Perversa
O que faz o dom é que um sujeito dá alguma coisa de uma maneira gratuita; na medida em que, por detrás do que ele dá, existe tudo o que lhe falta, é que o sujeito sacrifica para além daquilo que ele tem. Lacan: In: O Seminário a Relação de Objeto.
A estrutura histérica: A histérica tenta evitar a angústia decorrente da constatação da castração do Outro, mantendo a questão do recalque em constante funcionamento. Isso mostra que todos os sintomas histéricos giram em torno da questão da falta de um significante que um dia, ela crê, será encontrado, o que faz com que o sintoma seja sempre um demandar de encontrar a perfeição no Outro. Está, portanto, nessa procura de ideal de gozo e na reinvidicação da posse do falo, mostrando a insatisfação permanente em ter que estar em uma posição diferente da masculina.
A estrutura perversa: A questão da perversão liga-se a concepção que a criança tem de sua relação com a mãe. Para que a criança se identifique com o objeto de desejo da mãe, é necessário que a mãe a simbolize no falo. O interdito dessa relação entre o segundo e terceiro tempo do Édipo, produz uma frustração na criança e a privação da mãe perante a criança. Isso revela a criança que ela está submetida a uma lei que não é dela. No caso da perversão ocorre uma negação dessa lei, sendo a mãe a detentora do falo aquela que dita a lei ao pai. Em outras palavras a criança se mantém na identificação fálica.
A leitura do romance Sidonie Csillag: La joven homossexual de Freud de Inês Rieder e Diana Voigt, produz um estranhamento perante o amor de adoração da jovem Sidonie (Sidi) pela Dama (Leonie). Será que as mulheres são amadas, desse modo, quando se trata de um homem? Sidi era uma jovem protegida, sem experiências sexuais e apesar do meio mundano em que se encontrava com a Dama, permanecia intocável, inocente, sem nenhum saber sobre o desejo erótico. Queria, apenas, ser a única da Outra dentre todas as mulheres que a cortejam.
Sidonie pronto se da cuenta de que, probablemente, es la única persona femenina “correcta” em el entorno lascivo de su hermosa. Su amor es tan fuerte que en algún momento, se instalará en lo profundo del corazón de Leonie.
De que estrutura estamos falando? Seria essa passagem de ser a única e absoluta ao lado de Leonie, nessa recusa ao gozo sexual, uma posição de assujeitamento ao registro do imaginário como objeto falo que tampona a falta materna,objeto único do desejo do Outro? Ou seria o imperativo de se tornar o falo da Dama em uma posição masculina própria da estrutura histérica? Não ter o encargo do gozo é algo que a histérica se interroga colocando em julgamento a questão da função paterna e seus limites.
Tantas são as perguntas, tantas são as leituras que fazemos... quem sabe encontraremos algumas respostas na mãe sedutora ou no pai rico e poderoso?
A jovem homossexual: Um desvio na rota edipiana
Por que um desvio? Por ser uma perversão constituída na adolescência que não tem a garantia de uma estrutura perversa. Um olhar psicanalítico nos diz que a jovem se interessando por objetos de amor que dizem da feminilidade a saber mulheres em situação maternal, ou crianças, viveu o interdito da castração se colocando porem em uma posição histérica perante uma mãe fálica o que a levou a desejar ser reconhecida e amada em sua feminilidade pelo pai.
A mãe de Sidi era de grande beleza, coquette bastante assediada pelos homens, porém mantendo- os à distância, fazendo de sua imagem corporal, um falo. É nessa posição que expõe a sua feminilidade ao pai de Sidi, mostrando para o mesmo a sua fraqueza de não ser homem suficiente para ela. Sidi sempre fora preterida pela mãe que a mantinha distante do pai, além de se desmanchar em carinhos para com os três filhos homens. A rivalidade materna preservava o seu isolamento o que provavelmente a induziu mais tarde a buscar a figura materna em outras mulheres. O pai rico e poderoso era distante, exigente, rígido com a família e ao mesmo tempo fraco, bancando o homem em uma posição de passividade antes de tudo feminina, perante essa esposa sedutora. Freud nos mostra que é no desejo pelo pai, quando recalcado, que estaria a origem da histeria. A passividade da histérica perante o desejo do Outro, responderia, então, ao desejo de restaurar a figura paterna. Essa irrealização tem seu contraponto na fantasia de preencher a hiância constituída pela castração da mãe.
A mulher não existe, diz Lacan. Isso implica na inexistência de uma identidade propriamente feminina, ou seja, a ausência de um significante da feminilidade. A mulher identifica-se ao falo pela lógica de ser objeto de desejo, sendo o mais além dessa identificação, o reencontrar dos impasses da relação com o Outro materno e com o imperativo do gozo.
Dentro dessa lógica lacaniana a questão de Sidi seria afastar-se dos homens deixando-os para a mãe e/ou mostrar ao pai que queria ser amada por sua feminilidade além de um objeto desejável? Argumento que Sidi não queria ser desejada, mas sim encarnar o modelo de perfeição buscando o amor ideal. Não é essa sempre a procura da histérica, o amor total numa mistura de amor e desejo? Seria, então, a homossexualidade de Sidi aquela a que a histérica é conduzida por sua neurose ou a da posição perversa que a fazia se interessar por outra mulher experimentando um gozo inacessível ao homem? Na posição perversa a mulher sustenta que está em melhores condições do que o homem para fazer a outra mulher gozar. É verdade, que a introdução de Freud entre essas duas mulheres, correspondeu a inserção de uma figura masculina a qual a jovem ironizava e burlava contando seus encontros com a Dama como se fossem sonhos. Mas não seriam fantasias histéricas?
Para que possamos entender um pouco dessa posição homossexual feminina vamos introduzir os esquemas de Lacan referentes a esse caso:
A relação do sujeito com o Outro (Esquema Z):
Gênese do sujeito
S •.........................• a outro


(eu) a _____________ A (Outro) O Pai imaginário

a´________________a (Relação imaginária)
A (Outro)_______................S (inconsciente) (O sujeito recebe do Outro sua própria mensagem, sob a forma de uma palavra inconsciente)

A jovem homossexual: Criança_________________Dama real


Pai imaginário_________________ Pênis simbólico
O pai deixa de ser o pai simbólico introduzindo um real (dá um filho á mãe) e é nesse momento que ocorre o desvio da rota edipiana que se reeditava no tempo de latência, ou seja, o que estava articulado ao nível do Outro se articula em uma nova relação de maneira imaginária, passando o pai ao nível do imaginário o que segundo Lacan: é por essa razão e não por outra que isso vai resultar numa perversão. Podemos então colocar a relação da jovem em uma dupla torção a primeira em uma estrutura histérica constituída na via da castração e a segunda em uma inversão onde ela se torna o pai imaginário conservando seu pênis.
Essa torção nos remete ao caso Dora uma jovem paciente de Freud e a Violette e Rose as duas homossexuais pacientes de Serge André, caso citado em Impostura Perversa.
Vejamos o par parental no caso Dora: o pai é citado por Lacan como impotente, e amante da sra. K casada com o sr. K. A mãe está ausente da situação ao contrário do falicismo da mãe da jovem homossexual. Dora protege os encontros do pai com a dama (senhora K). A Dama (senhora K) é a confidente de Dora. Ao longo do caso fica evidente que a senhora K é a questão de Dora que se apega na posição histérica à pergunta o que é uma mulher?Ou o que meu pai ama nessa mulher além do que eu tenho? Lacan esquematiza assim o caso Dora:
Senhora K___________________sr. K (com quem Dora se identifica)
A questão


Dora______________________Pai (permanece o Outro por excelência)
Dora e Sidonie: Sidonie envia ao seu pai uma mensagem metonímica: ou seja mostra ao seu pai que se pode amar alguém (a dama) não apenas pelo o que a pessoa tem, mas também pelo que não tem, ou seja o pênis simbólico que no seu pai se encontra porque não é impotente. Quanto a Dora a sua implicação neurótica é metafórica por se colocar como sujeito em uma cadeia de um número determinado de significantes, presa em uma teia onde não sabe se situar.
Será que podemos contrapor Violette (estrutura perversa), e Sidonie (A jovem homossexual) a Dora e Rose (estruturas histéricas)?
O par parental de Rose (estrutura histérica segundo Serge André): a mãe de singular beleza sedutora, assiduamente cobiçada pelos homens, fazendo comparações ofensivas para a filha afim de se conservar o falo. O pai machão, fracassado, bancando o homem em uma posição feminina. Estamos falando de Rose ou Sidonie?
O par parental de Violette (estrutura perversa): a mãe figura apagada sem contato social, o pai tirano doméstico, e machão. Violette se apresentava dizendo que desde pequena gostava de fazer coisas de sexo Tenho a impressão de ter sido prostituta desde sempre. Segundo André: Violette apresentava uma inversão não apenas ao nível da escolha de objeto (objeto de desejo e não de amor), mas também ao nível da identificação sexual.
Onde colocar a jovem homossexual? Ou melhor onde colocar o nome do Pai nessas quatro estruturas?
Lacan pergunta O que é um pai? Um pai segundo ele é um sintoma. Nessa vertente ele coloca duas versões a versão pai, a père-version paterna, e a outra que poderíamos dizer não paterna. Então temos o Pai, ou seja o sintoma Pai e os outros não pela via do sintoma, mas que podem ser genitores. Existe, portanto uma diferença entre o Pai e o Homem. Essa diferença é básica no Édipo relacionando-se com a frustração e a privação quando no interdito aparece a mulher não toda para um homem específico. Para Lacan o Pai é aquele que faz uma mulher o objeto a que causa seu desejo. A metáfora paterna faz do desejo da mãe a precondição e a mediação necessária à função do Nome-do-Pai. Esse sintoma pai é o sintoma que podemos chamar de função paterna e Lacan o redefiniu em termos de modulação borromeana entre o pai real, simbólico e imaginário.
Sendo a metáfora paterna única o que devemos observar é como cada uma das jovens vive a sua própria feminilidade perante essa metáfora.
Podemos dizer que existe nessa exigência do olhar do Pai e para o Pai que a jovem homossexual tinha quando acompanhada pela Dama uma demanda do significante faltoso que a faria mulher. Quanto a Dora podemos dizer desse duplo, tão comum na clínica da histérica, do pai sedutor dizendo que o pai real existe, isto é que ele tem a chave do gozo e também o Pai simbólico do Édipo como o pai impotente para manter as promessas de desejo.
O pai de Rose e o pai de Violette se situa como o pai primevo que goza ou tenta gozar de todas as mulheres, incluindo o desejo incestuoso em relação às filhas, significando a inexistência do pai edipiano. Para que o pai edipiano se apresente é necessário que o pai primevo esteja morto.
Como vemos marcados pela estrutura clínica cada caso traz a marca da singularidade. Ressaltamos que a homossexualidade não se achava inscrita na fantasia da jovem homossexual, tornando-se posteriormente um acessório. Em Violette não havia a idealização da mulher de ser o falo, mas sim de tê-lo. Rose mascarava seu desejo reinvidicando o amor absoluto, quanto a Dora sabe que o amor existe, mas não sabe onde ele está. (Lacan: In: Relação de Objeto).
Termino, citando Serge André: É importante distinguir pelo menos duas maneiras de alguém ser e se dizer homossexual: a maneira histérica e a maneira perversa. A homossexualidade não pode ser tomada por uma estrutura, nem sequer por uma unidade clínica, ainda que do ponto de vista social, jurídico ou moral, possa receber essa unidade.
Heloísa Mamede Silva Gonzaga
Referências
Freud, S. A Psicogênese de um Caso de Homossexualismo numa Mulher. ESB, vol. XVIII, Rio de Janeiro, ed. Imago, 1996.
Lacan, J. Seminário Mais Ainda. Rio de Janeiro, ed. Jorge Zahar, 1985.
Lacan, J. Seminário A Relação de Objeto. Rio de Janeiro, ed. Jorge Zahar, 1995.
André, S. Duas homossexuais. In: A Impostura Perversa. Rio de Janeiro, ed. Jorge Zahar, 1995.





segunda-feira, 23 de junho de 2008

Père-version: Única escolha possível para a jovem homossexual de Freud?




Maria Barcelos de Carvalho Coelho

Sabemos pelos textos de Freud, “A organização genital infantil” (1923), “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos” (1925) que, quando a menina se vê privada do pênis ela terá que se haver com as decepções decorrentes desta falta real em sua anatomia.Mais tarde Lacan introduz a complexidade das relações objetais inevitáveis à constituição do sujeito, neste caso, o sujeito feminino. Seria então através das fantasias sexuais em torno de sua castração (dívida simbólica) que a menina terá que atravessar um longo percurso até se introduzir, retroativamente, no Complexo de Édipo _ processo este, que,diferentemente dos meninos_ ela terá dificuldades de sair.
É nesse momento que vemos operar um outro conceito em Lacan que irá nos permitir compreender como a demanda de amor (como dom), é um elemento central para inscrever a significação fálica na mulher. Seria pois, no cerne da dialética da frustração que a mulher ascenderia a seu status de sujeito,(...) condição necessária ao estabelecimento dessa ordem simbolizada do real onde poderá por exemplo, instaurar como existentes e admitidas certas privações permanentes.

Para Lacan o caso da “Jovem homossexual” é emblemático para falar de uma certa particularidade na escolha amorosa de cada mulher. Traz como elemento desencadeador dessa história, o amor/ódio contido tanto na moça como provavelmente em seu pai. Mas, o mais surpreendente é que esse afeto ambíguo, estendido até à análise da jovem através da transferência, não faz surgir o acesso ao Outro_ aquele terceiro elemento através do qual o inconsciente se mostra com toda sua verdade. Verdade que pode conter também o engodo de certas “mentiras” veladas. Segundo Lacan, a “jovem” repete com Freud todo jogo de “contra malogro” que fizera com seu pai ao passear com a dama em frente à janela de sua casa. Jogo cruel no qual Freud se prende imaginariamente, não percebendo que em seus sonhos, ( da moça) mesmo que sejam mentirosos, havia desejo e não a intensão de engana-lo como supunha ele. Tanto na vida como na análise a “jovem” tem sonhos de ter filhos e se casar. Pelo relato de sua biografia sabemos que Sidonie, para ganhar a vida, ocupa-se de crianças, cuidando-as, como preceptora. Mas nesta história, quem seria a criança afinal? Quando digo criança refiro-me àquele traço inconsciente fixado na pré-história do sujeito do qual Lacan fala mas nos deixa um pouco na sombra: Uma fixação perversa estrutural ou uma père-version _ condição subjetiva que teria na particularidade de cada história de amor de uma filha à seu pai a pre- moldagem de sua escolha objetal amorosa. Lacan nos aponta neste caso uma perversão reativa, tardia, vindo à tona pelo nascimento de um irmãozinho temporão. (...) os homossexuais, com efeito, contrariamente do que se poderia acreditar, mas como a análise fez ver, são sujeitos que fizeram num certo momento uma fixação paterna muito forte. No caso da “jovem”, porém, percebemos que é justamente a frustração frente à decepção quanto ao amor de seu pai_ quando este lhe nega o filho e também o acolhimento à sua paixão à dama_ que a faz, estranhamente ascender ao simbólico. Uma única escolha possível entraria aí neste registro pelo sinal de menos. E esta fatalidade insere a jovem na linguagem do amor. Um sujeito muito particular, tendo como inscrição simbólica um acontecimento real_ o nascimento de uma criança que não é dado à ela mas a alguém que lhe é muito próximo: sua própria mãe. E essa criança que cai- niederkommen -sendo ela mesma ou o irmãozinho, a conduz em direção ao amor às mulheres. (...) Se isso a sustentava na relação entre as mulheres, é que já estava instituída para ela a presença paterna como tal, o pai por excelência, o pai como fundamental, o pai que será sempre para ela toda espécie de homem que lhe dará um filho. ..

Amor cortês: idealização/ sublimação ou um modo masculino de amar

Vimos até aqui como a frustração fez emergir na história da “jovem” a criança latente que a habitava e como um fato real e aleatório _ um nascimento inesperado_ inverte a equação e a conduz ao amor. Perguntamo-nos agora: De que ordem é esse amor? Segundo Freud, um amor cortês.
Se partilhamos da idéia de que o objeto nas relações amorosas é o que há de mais evanescente e enigmático _ daí talvez uma das impossibilidade da relação sexual_ quem sabe possamos acreditar na sua legitimidade. Segundo Lacan este é um tipo de amor que pode se expandir, pois traz no seu âmago a instituição da falta na relação com o objeto O amor cortês é um amor que se exprime pela exaltação à dama, e esta particularidade de não satisfação é que eleva esse tipo de amor à seu mais alto grau de simbolização.Um amor männliche que segundo Lacan, Freud reserva ao registro da experiência masculina. No caso de Sidonie, que se inscreve na significação fálica pela via da negação, o que poderá esta oferecer à sua amada ou buscar nela? Levando em conta a má reputação da dama que provavelmente é investida de misteriosos atributos femininos, fálicos, só resta à jovem inventar um amor: o amor apaixonado do cavalheiro à sua amada dama. Lacan, colocando a questão do desejo para além da mulher nos traz uma solução ou, quem sabe, nos conduz a aprofundar o mistério.
(...)O reflexo da decepção fundamental nesse nível, sua passagem ao plano do amor cortês, a saída encontrada pelo sujeito neste registro amoroso coloca a questão de saber o que é na mulher, amado para além dela mesma (...) O que é, propriamente falando, desejado na mulher é justamente aquilo que lhe falta. (...)O que é buscado para além dela é o objeto central de toda a economia libidinal: o falo

Maria Barcelos de Carvalho Coelho

Referências bibliográficas:
LACAN, JACQUES. O seminário. livro 4: a relação de objeto. Jorge Zahar Editor; Rio de Janeiro: 1995
Belo- Horizonte, 18 de junho de 2008-06-18









quinta-feira, 29 de maio de 2008

Noite de Trabalho!


Deu-se em 28/05/2008, no Iepsi, a apresentação de trabalhos de participants do Seminário da Jovem Homossexual de Freud. Um recorte, um olhar, uma voz, a escuta pelos apresentadores dos trabalhos de cada um e do momento de nosso estudo.
Lucia Cunha Frota com o viés da história da Jovem, pano de fundo e configuração apresentada pelo livro interessantíssimo de sua biografia romanceada, escrita por Ines Rieder e Diana Voigt, que, ao fim e ao cabo, nos trazem a particularidade da vida de uma homossexual nos anos 20 e posteriores, que confirma e registra as hipóteses freudianas de sua estrutura, não sem trazer à luz os tropeços e dificuldades do mestre no manejo de sua análise.Denise Ribeiro, com o trabalho pertinente de "Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica dos sexos" traz as elaborações a que Freud foi conduzido, após o atendimento da Jovem, que nele suscitou questões importantíssimas sobre a relação arcaica da menina com sua mãe,nas suas turbulências, como constituinte da sexualidade feminina.Heloisa Mamede, reenceta sua questão insistente mas não menos sedutora e instigante, quanto ao diagnóstico feito por Freud de uma perversão da Jovem, que nos leva à direção do pai e de suas versões, tema ainda no nascedouro em nosso estudo, mas necessário e, certamente, imprescindível em nossos próximos avanços. Simone Caporali tempera todas as tramas de nossas questões com os "Mecanismos do Ciúme no Homossexualismo Masculino" cuja estrutura não só instrui os casos desta natureza, como cotejam homossexualidade feminina e masculina e suas diferenças. Há coisas por decifrar! Finalmente, Maria Barcelos traz-nos um texto provocativo intitulado "Trocar de Sexo"? onde, de novo e mais detalhadamente, a relação primária, pré- edípica, da menina com sua mãe retorna na discussão da catástrofe que representa a experiência da castração nas meninas e as diversas posições possíveis de serem assumidas diante dela, por referência à relação com a mãe e em direção ao pai, movimentos que irão definir suas escolhas sexuais.
NOITE DE TRABALHO !!

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Assim aconteceu. O pai passou por ela!


Seminário: “A jovem homossexual” - Ata de 9/5/2008

Assim aconteceu. O pai passou por ela, na rua, de olhar furioso para ela e sua companheira, de que, nessa época, vinha tomando conhecimento. Poucos momentos depois, ela atirou-se para dentro do corte ferroviário.

O recorte do texto freudiano descreve a tentativa de suicídio da jovem. Tentativa que, para Freud, aponta a realização de uma punição (autopunição) e a realização do desejo de ter um filho do pai. Presentes na cena estão a jovem, a Dama, o ódio do olhar do pai, a tentativa.
Lembra Daisy Justus que o estudo sobre o suicídio entrou na Psicanálise atravessado pela marca da vida cotidiana. “Quando em 1901 Freud escreveu a Psicopatologia da vida cotidiana, colocou-o sob o selo dos ‘equívocos’, ou seja, em parceria com os esquecimentos, os lapsos e os atos falhos, ‘onde o patológico se avizinha mais com o normal’. O equívoco torna transparente um ato pelo qual ‘o efeito falho parece constituir um elemento essencial’. O ato é ‘falho’ na medida em que há ‘não-conformidade à intenção, mas é vitorioso na medida em que uma outra idéia, dessa vez inconsciente, faz desviar a ação inicial’. "
Lacan, no Seminário 10 , considera o niederkommen, termo utilizado por Freud, essencial para o relacionamento súbito do sujeito com o que ele é como a. E diz: “não é à toa que o sujeito melancólico tem tamanha propensão, e sempre realizada com rapidez fulgurante, desconcertante, a se atirar pela janela. Com efeito, na medida em que nos lembra o limite entre a cena” (cena do Outro – onde o sujeito tem de se constituir) “e o mundo, a janela nos indica o que significa esse ato – o sujeito como que retorna à exclusão fundamental em que se sente”. É nesse momento desconcertante que se dá a conjunção do desejo com a lei.
Lacan afirma também não ter sido apenas um olhar irritado do pai motivo suficiente para produzir-se a passagem ao ato. É necessário chegar-se à estrutura da relação entre eles. Resumidamente, lembra que a jovem, decepcionada com o pai pelo nascimento do irmãozinho, empenhara-se em oferecer à sua Dama ”a suprema garantia de que a lei é efetivamente o desejo de pai, de que temos certeza disso e de que existe uma glória do pai, um falo absoluto”. O ressentimento e a vingança do pai são esse falo supremo, o grande Φ. “Já que fui decepcionada em meu apego por ti, meu pai, e que eu mesma não posso ser tua mulher submissa nem teu objeto, é Ela que será minha Dama, e, quanto a mim, serei aquele que sustenta, que cria a relação idealizada com o que foi repelido de mim mesma, como o que, de meu ser de mulher, é insuficiência”. Segundo Lacan, trata-se de dar o que não se tem, o Falo.
E continua: “É tudo isso, toda essa cena, que chega ao olhar do pai naquele simples encontro na ponte. E essa cena, que tudo ganhara pelo assentimento do sujeito, perde todo o seu valor, no entanto, com a desaprovação sentida naquele olhar.” Produz-se o que se chama de “embaraço supremo”.
A passagem ao ato tem duas condições essenciais:
- a identificação do sujeito com o a ao qual ele se reduz. É o que sucede com a moça no momento do encontro; se o suicídio tivesse se consumado, poderíamos dizer que a identificação teria sido absoluta;
- o confronto do desejo com a lei. “Aqui trata-se do confronto do desejo pelo pai, sobre o qual se constrói toda a conduta dela, com a lei que se faz presente no olhar do pai. É através disso que ela se sente definitivamente identificada com o a e, ao mesmo tempo, rejeitada, afastada, fora da cena. E isso, somente o abandonar-se, o deixar-se cair, pode realizar.".
Lacan diz, sobre o caso da jovem: “se a tentativa de suicídio é uma passagem ao ato, toda a aventura com a dama de reputação duvidosa, que é elevada à função de objeto supremo, é um acting-out.”.
Acrescenta Roberto Harari que na tentativa de suicídio houve uma passagem ao ato sucedida – e não apenas precedida, por um acting-out. Afirma ter sido significativo o fato de a jovem ter sido levada à análise depois de sua tentativa de suicídio: “Adiante disso, torna-se necessário pensar que havia também uma condição mostrativa e indutora em jogo. De modo que ali existem também as condições para o desdobramento do acting-out.”. Ensina que no acting-out torna-se presente o objeto a, colocado de forma efetiva, em uma cena montada para que seja possível sua aparição. E ainda: “O acting-out é uma mensagem para o Outro, uma sacudida na posição do analista, para que este acorde, para que olhe o que não pode escutar. A mostração própria deste tipo de ação é indutora, desafiante, agressiva.”. “O acting-out é uma transferência selvagem, no sentido de que questiona e aniquila o lugar do sujeito em um grau muito maior que o sintoma.”.

Rui Barbosa Júnior

Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e no homossexualismo


09mai2008.
Resumo do texto:
ALGUNS MECANISMOS NEURÓTICOS NO CIÚME, NA PARANÓIA E NO HOMOSSEXUALISMO – 1922 – Vol. XVIII, pág. 271 a 281 - Ed. Standard Brasileira.

Seminário: O caso da jovem homossexual. Coordenação: Ângela Porto.


A
O ciúme é um estado emocional, que juntamente com o luto, podem ser considerados como normais. Quando a pessoa diz não possuí-lo, inferimos que esse conteúdo sofreu severo recalque, e que este movimenta ainda mais sua vida mental inconsciente. Os exemplos de ciúmes que se manifestam de forma anormalmente intensos na clínica apresentam-se em três graus: (1) competitivo ou normal, (2) projetado, e (3) delirante.

1. O ciúme competitivo ou normal se compõe essencialmente: “do pesar, do sofrimento causado pelo pensamento de perder o objeto amado, e da ferida narcísica; de sentimentos de inimizade contra o rival bem sucedido, e de maior ou menor quantidade de autocrítica, que procura responsabilizar seu próprio eu pela perda sofrida”. Apesar de podermos considerar esse ciúme de normal, não podemos considerá-lo como racional, como conseqüência de circunstâncias reais, nem de que está sob controle do eu. Esse conteúdo encontra-se profundamente enraizado no inconsciente, por se relacionar com as primeiras manifestações da vida emocional da criança, e originar-se do complexo de Édipo, ou de irmã-e-irmão do primeiro período sexual. É relevante ressaltar que em algumas pessoas, “esse ciúme é experimentado bissexualmente: um homem pode não apenas sofrer pela mulher que ama e odiar seu rival, mas também poderá sentir pesar pelo homem, a quem ama inconscientemente, e ódio pela mulher, como sua rival”. Esse último conjunto de sentimentos inconscientes intensificará seu ciúme, e estarão diretamente ligados a história libinal particular do indivíduo.

2. “O ciúme projetado deriva-se tanto nos homens quanto nas mulheres, de sua própria infidelidade concreta na vida real ou de impulsos no sentido dela que sucumbiram ao recalque”. Por falta de recursos simbólicos de lidar com o sentimento do ciúme, o recalque entra como defesa contra ele. Na realidade cotidiana, a fidelidade, principalmente a exigida pelo casamento, só se mantém em face de tentações contínuas. “Qualquer pessoa que negue essa tentação em si própria sentirá uma forte pressão, e ficará satisfeita em utilizar um mecanismo inconsciente para aliviar sua situação”. Para obter esse alívio, a absolvição de sua consciência, projeta seus próprios impulsos recalcados à infidelidade no companheiro a quem deve fidelidade. Assim pode então fazer uso do sentimento de infidelidade, recalcado em si mesmo e projetado no companheiro, justificando com a reflexão de que o outro provavelmente não é tão bom quanto ele próprio.
As convenções sociais perceberam essa questão da projeção de infidelidade no outro, a consideraram uma questão universal, e “concederam certa amplitude ao desejo de atrair da mulher casada e à sede de conquistas do homem casado, na esperança de que essa inevitável tendência à infidelidade encontrasse assim uma válvula de escape e se tornasse inócua”, isto é, o sentimento de sentir-se desejada e desejar atrair fazem parte do contexto social. E quando um dos parceiros se percebe nessa rede de sentimentos, a própria satisfação percebida no desejo despertado no outro, o faz retornar à fidelidade ao objeto original. “Uma pessoa ciumenta, contudo, não reconhece essa convenção de tolerância; não acredita existirem coisas como interrupção ou retorno, uma vez que o caminho tenha sido trilhado, nem crê que um flerte possa ser salvaguarda contra a infidelidade real”. Na clínica de uma pessoa ciumenta nesses moldes, que possui um caráter quase delirante, deve-se abster da discussão do material em que se baseiam suas suspeitas e sim visar levá-la a encarar o trabalho analítico de exposições das fantasias inconscientes da sua própria infidelidade.

3. A pior posição em relação ao ciúme é o tipo delirante verdadeiro. Este também tem sua origem em impulsos recalcados no sentido da infidelidade, mas o objeto, nesses casos, é do mesmo sexo do sujeito. O ciúme delirante é o que resta de um homossexualismo que cumpriu seu curso e corretamente toma sua posição entre as formas clássicas da paranóia. Como tentativa de defesa contra um forte impulso homossexual indevido, ele pode, no homem, ser descrito pela fórmula: ‘Eu não o amo; é ela que o ama!’. Num caso delirante estão presentes as três formas do ciúme.

B

Paranóia – Os casos de paranóia geralmente não são sensíveis à análise, por razões bem conhecidas.

Os que sofrem de paranóia persecutória não conseguem encarar nada em outras pessoas como indiferentes e tomam indicações insignificantes que essas outras pessoas desconhecidas lhes apresentam e as utilizam em seus delírios de referência. O significado de seu delírio de referência é que espera de todos os estranhos algo semelhante ao amor, isto é, algo onde ele possa vislumbrar algum enlace. No entanto essas pessoas não lhes demonstram nada desse tipo, porque são estranhas a ele e realmente não se encontram em relação com o mesmo. E o paranóico entende essa indiferença do estranho como ódio, em contraste com sua reivindicação de amor.

No caso dos paranóicos ciumentos e dos persecutórios, eles não projetam exteriormente para os outros, o que não desejam reconhecer em si próprios. “Eles se deixam guiar por seu conhecimento do inconsciente e deslocam para as mentes inconscientes dos outros a atenção que afastaram da sua própria”. Ficam a mercê do inconsciente (inconsciente a céu aberto). Os paranóicos não utilizam o mecanismo do recalque, e da projeção. Estão fundidos ao objeto, portanto não possuem a capacidade de expulsar, no caso a infidelidade, de si próprios e projetá-las no outro. “Podemos inferir que a inimizade vista nos outros pelo paranóico perseguido é o reflexo de seus próprios impulsos hostis contra eles. Sabendo que, no paranóico, é exatamente a pessoa mais amada de seu próprio sexo que se torna seu perseguidor, surge a questão de saber onde essa inversão de afeto se origina”. A resposta está na sempre presente ambivalência de sentimento que fornece-lhe a fonte e a não realização de sua reivindicação de amor, isto é, como está fundido ao outro, é o próprio alvo de seu amor, ou de seu ódio.

C

Homossexualismo – O processo psíquico típico vinculado à origem do homossexualismo foi descritos no Cap. III do estudo sobre Leonardo em 1910. Neste texto Freud nos diz que as teorias sexuais infantis procuram explicar uma face do homossexualismo. Esta estaria ligada a fase pré-edípica, quando o menino começa ter curiosidade pelo sexo. Fica interessado em seu próprio genital considerando-o valiosíssimo, e crê que todos os seres humanos o possuem. Nesta época então, o genital masculino é compatível com a imagem da mãe. Este conceito é tão marcante que não desaparece nem mesmo quando da primeira vez observa o genital das meninas. “Sua percepção mostra-lhe que há alguma coisa diferente do que ele possui, mas é incapaz de admitir que o conteúdo de sua percepção é que ele não pôde encontrar um pênis nas meninas. A sua falta é intolerável, então ele encontra outra explicação, de que as meninas também o possuem, só ainda é muito pequeno, e que depois ele crescerá. Mais tarde quando percebe que isso não acontecerá, encontra outra explicação, as meninas também tinham um pênis, mas ele foi cortado e em seu lugar ficou apenas uma ferida. Esse avanço teórico já implica experiências pessoais de caráter penoso: nesse intervalo o menino já terá ouvido ameaças de lhe cortarem o órgão que tanto preza, caso venha a demonstrar um interesse demasiadamente ostensivo por ele. Sob a influência dessa ameaça de castração, ele agora interpreta de modo diferente o conhecimento adquirido sobre genitais femininos; daí em diante receará por sua masculinidade, ao mesmo tempo, menosprezará as infelizes criaturas que já receberam o cruel castigo, conforme presume”. Pág. 88. Vol. XI.

Com esse cenário de pano de fundo os mecanismos que contribuem para o resultado do homossexualismo seriam:

1. Uma forte fixação na mãe, o que dificultaria o jovem de passar para uma outra mulher. A identificação com a mãe é resultado dessa fixação, o que permite ao filho permanecer fiel à ela que foi seu primeiro objeto. O menino se identifica com a mãe que deseja um homem.

2. Uma inclinação à escolha narcísica. O menino recalca seu amor pela mãe em função da decepção causada pela incapacidade de tolerar a ausência do pênis em seu objeto amoroso. A depreciação das mulheres, a aversão e até mesmo o horror a elas derivam-se desse precoce desapontamento. O menino então se coloca no lugar da mãe; identificando-se com ela, e toma a si próprio como modelo a que devem se assemelhar os novos objetos de seu amor. O que de fato ocorreu foi um retorno ao auto-erotismo, pois os meninos que ele agora ama à medida que cresce, são apenas, figuras substitutas e lembranças de si próprio. O menino se identifica com a mãe que ama meninos à sua semelhança.

3. Uma consideração excessiva pelo pai, ou o medo dele, porque a renúncia às mulheres significa que toda a rivalidade com aquele (ou com todos os homens que podem tomar seu lugar) é evitada. O menino ama a seu pai, recalcando a rivalidade e renunciando às mulheres.

“Os dois últimos motivos – o apego à condição de existência de um pênis no objeto, bem como o afastamento em favor do pai – podem ser atribuídos ao complexo de castração. A ligação à mãe, o narcisismo, o medo de castração são os fatores (que, incidentalmente, nada têm em si de especial) que até o presente encontramos na etiologia psíquica do homossexualismo; com eles é preciso efetuar o efeito da sedução, responsável por uma fixação prematura da libido, bem como a influência do fator orgânico que favorece o papel passivo no amor.”

4. Um quarto mecanismo seria desenvolvido durante a primeira infância, quando o menino sente ciúmes da mãe em relação aos seus rivais (irmãos mais velhos), provocando nele uma atitude excessivamente hostil e agressiva para com esses irmãos, às vezes atingindo a intensidade de desejos reais de morte. Diante da impotência de lidar com esses sentimentos, esses impulsos são recalcados e se transformam, de modo que os rivais passam a ser objetos amorosos. Esse novo mecanismo se distingue dos demais pelo fato da mudança efetuar-se em um período mais precoce e a identificação com a mãe retroceder para o segundo plano. Esse mecanismo leva apenas a atitudes homossexuais que não excluem a heterossexualidade e não envolvem o horror à mulher.

Essa transformação do ódio ao rival em objetos amorosos conduz ao surgimento das pulsões sociais no indivíduo. “Há primeiro a presença de impulsos ciumentos e hostis que não podem conseguir satisfação, e tanto os sentimentos afetuosos quanto os sentimentos sociais de identificação surgem como formações reativas contra os impulsos agressivos recalcados.”

Enquanto os homens encaram os outros homens como rivais, os homossexuais os vêm como objetos potenciais amorosos. Os homens mantêm o sentimento de rivalidade e ciúme, enquanto os homossexuais o recalcam e o transformam em amor. Por isso percebe-se que muitos homossexuais se caracterizam por um desenvolvimento especial de seus impulsos sociais, mostrando uma vinculação clara entre a homossexualidade e o sentimento social.

“À luz da psicanálise, estamos acostumados a considerar o sentimento social como uma sublimação de atitudes homossexuais para com os objetos. Nos homossexuais com acentuados interesses sociais pareceria que o desligamento social da escolha de objeto não foi inteiramente efetuado”.

Simone Caporali Ribeiro

segunda-feira, 28 de abril de 2008

“Que te parece que pretendemos fazer quando falamos”?

No seminário “A jovem Homossexual” discutimos a questão da mentira o que suscitou uma reflexão sobre o tema “sujeito e linguagem”. Em torno desse tema, apresento nessa ata um resumo? de dois textos, que a todo instante escapavam a minha esforçada? ou arrogante? tentativa de resumi-los. Vamos, então, apresentar um esforço de resumo do qual só me resta deixar para lá, palavras, nesse claro-escuro de onde lemos, escrevemos, falamos e também resumimos.

Em “Sujeito e Linguagem”, capítulo do Livro A Escrita do Analista, Ana Maria Portugal reflete sobre o tema psicanálise e linguagem. Ana Portugal propõe pensar o “sujeito como um lugar, um lugar vazio, visto que a estrutura do mundo semântico, no qual a fala se institui como tal, estabelece lugares de direcionamento da massa significante, entre os quais o do sujeito.”. Enquanto lugar lógico, o sujeito diz sempre além ou aquém do que sabe ou quer dizer. “A palavra se manifesta de través, à revelia do sujeito”. Disso, percebe-se que através da palavra o sujeito tanto se torna presente quanto deflagra sua divisão. Sobre essa divisão destacam-se(entre as funções sintomáticas da palavras) a ambigüidade, o erro e o equívoco que com correspondem à condensação, recalque, negação. “ As três funções, bem como as três operações, suportam o sujeito em sua divisão: O recalque como fundador, a condensação como formação substituta do recalcado e a negação como tentativa de superar as condições de inacessibilidade do recalcado. O erro é um exemplo interessante para mostrar essa divisão na medida em que a mesma é mascarada. O sujeito quando erra não sabe que está errando, isto é, o erro não se apresenta como tropeço, a não ser quando a “a falha aparece ou alguém aponta. Com isso o erro mostra uma divisão muito bem feita, que separa mesmo uma parte, da qual o sujeito não quer saber”.A negação(suspensão lógica do recalque) por sua vez presentifica a divisão, “que aponta o sujeito como padecendo do campo do Outro, mas não disposto a aceitar, sem corte, essa sujeição” .A condensação que aponta para a ambigüidade de sentidos quando falamos “opera, paradoxalmente, também no sentido da divisão, da separação”.
Assim diante desse sujeito que tropeça, ou melhor, que “é um resto, um tropeço”, surge a pergunta sobre a verdade. “ A linguagem é aí questionada como o campo da suposição,da conjectura, da mentira”. É interessante sublinhar que esse registro tanto do erro como também do desconhecimento e da negação, no qual se encontra o discurso psicanalítico, aponta para a dimensão da verdade. Ana Portugal, apresenta a seguinte passagem de Lacan a esse respeito:“A palavra pode ser enganadora. Ora, por si só, o signo só pode se apresentar e sustentar na dimensão da verdade. Porque, por ser enganadora, a palavra se afirma como verdadeira. Isso para aquele que escuta. Para aquele que diz, o próprio engano exige o apoio da verdade que se trata de dissimular, e à medida que a palavra se desenvolve,supõe um verdadeiro aprofundamento da verdade, à qual ela responde”. Vale a pena ressaltar que essa relação do sujeito com a verdade vai apontar também para o desmentido e a rejeição(forclusão). Mas também com o jogo. Essa concepção de jogo para a psicanálise vai em direção contrária a de Wittgenstein, na medida em que “Freud ousa fazer pensar que o inconsciente não se reduz a uma pragmática, a uma forma de vida, que o homem não é usuário de seu inconsciente, e tampouco gerente de uma psique forma de vida. Há com a sexualidade e com o Outro uma relação de ‘equivocidade estrutural’, um fora-de-jogo, ao qual Freud confere um status com a noção de recalque primário, no qual se dá a fixação e a exclusão simultâneas do ‘representante psíquico da pulsão’.Tal é a lei com a qual o sujeito tem de se haver, lei que exclui o saber como todo, e instala a divisão, que sempre pesará sobre seus ombros, impelindo-o a lidar com isso, produzindo invenções”.


No capítulo “A Função significante da palavra: Lacan e Santo Agostinho” do livro Palavra e Verdade, Garcia-Roza nos apresenta a concepção agostiniana sobre a relação entre palavra e verdade. “ Para Santo Agostinho, a verdade não habita a palavra. Não é a palavra, enquanto verdade exterior, que produz a verdade. Esta, através da nossa interioridade, é que possibilita a palavra.(...).Mas, ao articular a palavra com a interioridade e com a verdade, Agostinho remete-a também simultaneamente ao registro do erro, do equívoco, da mentira. E é por referência a esse registro que podemos situar a questão do sujeito. É isto que interessa particularmente a Lacan em sua análise. É porque o outro é capaz de mentir, que sei que estou em presença de um sujeito. Se dois interlocutores fossem impedidos de mentir, de enganar, de ocultar, se fossem obrigados por alguma força superior a dizer ‘apenas a verdade e nada mais que a verdade, não poderíamos, a rigor, falar de relação intersubjetiva, a subjetividade cederia lugar à objetividade plena. O ‘minto, logo sou’ ou o ‘equivoco-me, logo sou’, são antecipações legítimas do cogito, ergo sum de Descartes. (...). Segundo Lacan, dizer que a verdade habita a interioridade do sujeito não significa eliminar o fato de que a palavra se instaura e se desloca na dimensão da verdade, mas sim que em presença das palavras não sabemos se elas são verdadeiras ou não;elas estão também inevitavelmente situadas no registro do erro, da equivocação, da mentira. Daí o título do segundo capítulo do De Magistro. “ Que os signos não servem de nada para aprender”. O signo é enganador, diz Agostinho, porque não mantém nenhuma relação natural com a coisa. A função significante da palavra não se faz pela relação que ela possa ter com a coisa significada, mas sim pela relação que ela tem com as outras palavras. Assim, diz Lacan, ‘a linguagem só é concebível como uma rede, um teia sobre o conjunto das coisas, sobre a totalidade do real. Ela inscreve no plano do real esse outro plano a que chamamos aqui o plano simbólico’. Tomados um a um, a relação do significante e do significado é inteiramente arbitrária. A razão pela qual as coisas têm o nome que têm não está na coisa nem no signo considerado isoladamente, mas nas definições, isto é, nas relações entre os signos. Como as definições são equívocas e enganadoras, a verdade só pode ser encontrada fora da linguagem: na interioridade do sujeito. É a interioridade que sustenta a verdade do signo”.
Segundo Garcia-Roza, a psicanálise instituindo um novo caminho, a via da verdade que percorre a psicanálise, é aquele “caminho das equivocações, lapsos, ambigüidades da palavra. É aí que habita a verdade do desejo, é por aí que o inconsciente faz suas irrupções, e é também que se inscrevem a condensação(Verdichtung), o recalcamento(Verdrängung) e a denegação(Verneinung).(...) É por percorrer os caminhos da Verdichtung, da Verdrängung, e da Verneinung, que a psicanálise tem como regra fundamental a associação livre, procedimento que permitirá o rastreamento das múltiplas determinações do sentido. Freud recupera, assim a via da opinião que havia sido rejeitada pelo discurso conceitual, e o faz não no sentido de opô-la à via da verdade, mas no sentido de mostrar que verdade e erro não são excludentes, posto que é precisamente na dimensão do erro e do equívoco que a verdade faz sua emergência”.
Cleide Scarlatelli

domingo, 27 de abril de 2008

A mulher não existe!? Como, então, definí-la?


Tem-se tentado definir a mulher das mais variadas formas, pelos mais variados saberes que circulam por esse nosso mundo. Os poetas, então... os escritores, os psicólogos, os sexólogos... A psicanálise mesma originou-se dessa tentativa de saber a respeito das histéricas, que foram as primeiras pacientes de Freud.
A mulher, na obra de Sigmund Freud, foi o ponto de partida para a criação da psicanálise, permanecendo aí como uma incógnita que a própria teoria a que deu lugar não conseguiu abarcar; aquele, então, novo saber não deu conta de apreendê-la, mas se constituiu como saber, criou-se como ciência, deixando sempre um resto que escapa, propiciando que se avance em busca de novos significantes que venham responder as questões que se abrem a cada formulação. No final de sua obra, Freud teria confessado sua decepção e talvez tivesse exclamado:
“A mulher é indizível”.
Toda uma teoria criada a partir dela não conseguiu dizê-la.
Afinal, foi possível à psicanálise abordar a mulher justamente por meio da falta, do que permaneceu desconhecido, do que não foi dito. Não pelo que se sabe, se escreve, se teoriza, mas pelo que não se conseguiu dizer.
Lacan, alguns anos mais tarde, retomou a questão da mulher apontando exatamente para esse lugar da falta, daquilo que permanece indizível, indignando o mundo feminista com seu aforismo: A mulher não existe. As feministas levantaram bandeiras, as analistas mulheres recusaram e debateram tal afirmação. O não existir foi tomado e mal interpretado como desvalorizante e absurdo. Afinal, as mulheres estão aí para dizer que existem e que, cada vez mais, lutam por suas condições de existência.
Porém, a condição de existência no universo simbólico é fálica. As coisas se nomeiam. Nós dizemos O HOMEM para designar homens e mulheres.
Então, homem e mulher são uma questão de posição dentro de uma estrutura de linguagem. Qualquer tentativa de definição é ideológica. Portanto, arriscada a cair numa dualidade especular, fechada, intransitiva, viciada e asfixiante de uma referência imaginária
Gilda Vaz Rodrigues

“..uma homossexualidade latente ou inconsciente pode ser detectada em todas as pessoas normais!

“..uma homossexualidade latente ou inconsciente pode ser detectada em todas as pessoas normais .Evidentemente cai por terra a suposição de que a natureza criou de maneira aberrante, um terceiro sexo “(Freud, pag 211 vol-III)


Esse trabalho se propõe a fazer uma reflexão sobre o estudo de caso da jovem homossexual de Freud (vol. X 1920) relacionado à obra biográfica de Sidonie Csillag lançada em 2000, de autoria de Inês Rieder e Diana Voigt. A aproximação entre o texto de Freud e a biografia nos permite refletir sobre a sexualidade humana, que está submetida aos destinos das pulsões e, não, do instinto, cujo objeto é pré-determinado. E é na descrição da sexualidade que se esboça a noção freudiana das pulsões, partindo da sexualidade infantil e dos estudos das perversões, mostrando como o objeto das pulsões é variável e contingente e que o corpo pulsional não é um corpo biológico.

Na conferencia XXI(1915-1917) que trata do “Desenvolvimento da Libido e as Organizações Sexuais” ele procura despertar a atenção dos ouvintes para questões que poderiam ajudá-los na difícil compreensão da sexualidade humana, mostrando como a condenação social das perversões prejudica as pesquisas cientificas e que até mesmo se nota em algumas pessoas uma certa inveja daqueles que experimentam práticas perversas. E que os atos sexuais dos pervertidos, por mais estranhos que sejam seus objetos e fins, produzem descargas genitais e orgasmo. E que os traços perversos quase sempre estão presentes na relação normal como o beijo que une duas zonas erógenas e não dois genitais, sendo portando um desvio perverso e mesmo assim aceito nas representações teatrais. E o que define a perversão é a exclusividade com que se efetuam os desvios sem finalidade reprodutiva, não pela “extensão do objetivo sexual nem pela substituição dos genitais e, mesmo, nem sempre na escolha de objeto”. Concluindo que “o abismo entre sexualidade normal e perversa é, naturalmente, muito diminuído por fatos dessa espécie”.( Conferencia XXI pág 377)

Freud utiliza a matriz reprodutiva para dizer à sociedade da época, que ela não é suficiente para explicar a sexualidade humana..

Ao iniciar o texto de 1920 Freud fala do descaso da psicanálise sobre a homossexualidade feminina. Fato que a meu ver tem sua fonte no desconhecimento da sexualidade feminina própria da cultura e da medicina psiquiátrica da época

Franco da Rocha em seu esboço sobre psiquiatria forense-1904 fala: “uma alienada, de excitação maníaca intermitente, que entra em perfeita saúde mental quando esta grávida,caindo sempre em perturbação quando fora da gravidez” e outro brasileiro psiquiatra de renome e romancista cria, em 1925 , a personagem Cora ,uma mulher
que se recusa a ter filhos ,comete um aborto , dedica sua vida inteiramente aos seus cães –enlouquecendo “de vez”( Historia das mulheres no Brasil- pág. 336-337-Psiquiatria e Feminilidade Magali Engel). Esta associação da loucura com a recusa da maternidade, fazia parte do retrato da família no mundo ocidental com a finalidade de controlar a sexualidade feminina vista com objetivo único, a procriação Aos homens eram designados outros papeis, sucesso profissional e cultural, aliado a uma vida sexual plena fora da família .

É dentro deste contexto que podemos entender as referencias feitas por Freud as dificuldades inerentes a compreensão da sexualidade feminina citadas no texto de 1923 Em “Organização Genital Infantil”(vol XIX-1923 ) ao tratar do caráter principal da organização genital infantil :
“o caráter principal da organização genital infantil ...reside em que ,em ambos os sexos ,um único órgão genital, o órgão masculino ,tem seu papel a desempenhar .Não existe portanto uma primazia do genital mas do falo ,” “Infelizmente, só podemos descrever esse estado de coisas na criança do sexo masculino ;falta-nos conhecimento dos processos correspondentes na menina( pag39 “As origens femininas da sexualidade Jacques André”” ) .
E só foi publicar, seu trabalho”Sexualidade Feminina aos 75 anos de idade.

Sidonie sempre foi uma estranha para os padrões culturais de sua época: homossexual- não gerou filhos, perseguida em nome de um povo o qual ela afirmava(negava) não pertencer, cristã de batismo e judia de origem,apátrida. Com o término da segunda guerra mundial e mudança do mapa da Europa, Sidonie, de nacionalidade austríaca,passa a ter nacionalidade soviética, não obstante detestar o regime político, recusando o passaporte soviético.

Nessa conjuntura foi adquirindo uma forte personalidade já inferida por Freud, ao despedir-se dela em Berggasse:
“-Usted tiene unos ojos tan inteligentes! No quisiera encontrarme em la vida com usted em calidad de enemigo” * pag.19 Sidonie Csillag





Adendos

Fatores determinantes na formação de uma identidade como família , meio social são descritos na biografia de Sidonie, através das relações e escolhas amorosas”( amantes do mesmo sexo e do sexo oposto; Petzy o cachorro que a acompanhou durante toda sua vida no exílio , relações com as famílias nas casas onde trabalhou ) e passam ao leitor desavisado a impressão de uma pessoa que atravessou uma grande fogueira sem se queimar. Após escrever este parágrafo, lembrei-me do primeiro texto que escrevi para uma jornada do IEPI . Tudo que existe no mundo dos vivos ,existe para aparecer e ser percebido pelos sentidos ,para isto que é que a nossa natureza foi dotada de órgãos sensoriais .Existimos a medida que aparecemos isto é, somos percebidos pela nossa mãe ,pai e seus representantes ,assim por diante .Somos indivíduos que percebem e são percebidos .Freud em suas conferências alertava seus interlocutores no sentido de um ordenamento no raciocínio,para não serem confundidos pelos sentidos. E Hanna Arendt “tudo que aparece adquire , em virtude de sua fenomenalidade ,uma espécie de disfarce que pode de fato, embora não necessariamente, ser para desfigurar ou ocultar “-(H.A. A vida do espírito –pag-19)


Lucia Cunha Frota




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Que seriam as consequências psíquicas da diferença anatômica dos sexos???

Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos. (S. Freud (1925).ESB , vol. XIX)

“Para se compreender a diferença dos sexos tem que partir do pulsional, sendo motivada por pulsões egoístas”, cita Freud no artigo “Sobre as tórias sexuais das crianças (1908)”. Porém, para Freud existe, uma classificação inicial segundo o gênero, anterior à castração e que não implica o pulsional, segundo ele, a criança é capaz de distinguir, “graças aos signos mais exteriores”, pai e mãe, e se posicionar de um lado ou de outro. Tal distinção, diz Freud, não leva em conta a diversidade dos órgãos sexuais (no artigo: A organização genital infantil). Aqui a criança não faz ligação entre sexo e gênero ou, a apreensão deste se faz sem levar em conta o órgão sexual. Portanto a distinção dos sexos ocorre em um momento diferente da distinção dos gêneros. “Essa questão remete à identidade de gênero,” (sou menino ou sou menina) ou de sexos (sou masculino/masculinidade ou sou feminina/ feminilidade).
A construção deste quadro é complexa , e depende da etapa pré édipica e édipica .vividas na primeira infância e completada na puberdade , onde : órgão genital masculino / castrado será substituído por masculino / feminino ( “ A organização genital infantil ¨¨Vol;XIX ,pg 184 ) .

Para o entender desta dinâmica é que Freud vai analisar o inicio da vida sexual nos neuróticos, focando em sua infância, avaliando suas pulsões primárias e suas conseqüências, para assim , avaliar a formação de sua neurose .
Em sua investigação sobre a vida sexual das crianças o alvo do tema era o menino, e supunha ser igual para a menina, embora pudesse ser diferente, diferença que não podia ser determinada.
É dentro deste contexto que Freud vai pesquisar a historia pré- édipica, o complexo de Édipo e a castração, seus efeitos na estruturação da personalidade humana, de suas atuações no superego e no ideal do ego. O complexo de Édipo é fundamental na orientação do desejo e nas escolhas feitas no decorrer da vida, como escolha do objeto de amor, escolha marcada por investimentos objetais e identificações relacionadas aos conflitos édipicos. O modo como o individuo nele se introduz e o abandona, deixa marcado seu efeito.

No menino, a fase pré-édipica é do tipo afetuosa, ainda não identifica o pai como rival, ocorre aqui uma atividade.
masturbatória vinculada ao órgão genital, cuja supressão põe em atuação o complexo de castração, que coloca em risco a imagem egóica que esta em construção, e ainda causa um impacto sobre o narcisismo: o fato é considerado por ele uma parte essencial de si mesmo. Nesse período a mãe é o objeto de investimento libidinal (não ainda um objeto genital) de ambos os sexos, para o menino o objeto se manterá o mesmo, o que não ocorre com a menina, ela irá trocar por outro. O complexo de Édipo no menino pertence à fase fálica, a mãe como objeto de amor libidinal, e o pai se torna seu rival. Sua dissolução é feita pela castração, porém, não é de todo reprimido, é fragmentado pela castração. Seus investimentos libidinais são abandonados e em parte sublimados, os objetos incorporados ao ego, onde formam o núcleo do superego. Freud diz, que em casos normais ou em casos ideais, o complexo de édipo não existe mais, nem mesmo no inconsciente, o superego se tornou seu herdeiro. Tanto no menino, como na menina, o complexo de Édipo possui uma orientação dual, ativa e passiva, de acordo com sua construção bissexual. A menina deseja ser objeto de amor de seu pai, tomando o lugar de sua mãe, fato que Freud descreve como atitude feminina.

A descoberta da zona genital ocorre de forma análoga para ambos os sexos, o menino, quando vê o órgão genital da menina, não tem interesse, não vê ou rejeita, abranda a situação de acordo com suas expectativas, somente diante da ameaça de castração, que a observação se torna importante para ele, aí acredita na possibilidade desta se realizar (a castração). Essa circunstancia promove duas reações, que podem se tornarem fixas, quer separadas ou não, junto com outros fatores determinaram suas relações com as mulheres, horror da criatura mutilada (castrada) ou desprezo por elas.

No caso da menina, quando vê pela primeira vez o pênis de um menino e o identifica com seu órgão (clitóris), porém, o dele é visível e maior, superior ao seu, desperta então, a inveja do pênis. Conclui que não tem e quer telo. Segundo Freud, “o reconhecimento da castração por parte da mulher leva a um estado de insatisfação, a uma rebeldia que se instala contra a superioridade do homem e sua própria inferioridade”.

Ocorrem ai três saídas:

a) Diante da castração, cria o que Freud chamou de complexo de masculinidade, a esperança de um dia possuir um pênis e que se tornara homem, dificultando o desenvolvimento no sentido da feminilidade e podendo levar a um comportamento homossexual..

b) Frigidez: insatisfeita com seu clitóris, abandona qualquer atividade sexual fálica.
c) Atitude sexual normal, segundo Freud, situação em que escolhe o pai como objeto de amor, que a levará a uma escolha heterossexual.

Diante de sua ferida narcísica, outras conseqüências podem ocorrer:

I.Sentimento de inferioridade, como punição pessoal para si mesmo e vai compartilhar do desprezo sentido pelos homens, por um sexo que lhes é inferior neste aspecto (em relação ao clitóris).

II. Um afrouxamento da relação afetuosa da menina com seu objeto materno. A mãe é responsável por sua falta do pênis.

III. Sentimento contrário à pratica da masturbação clitoriana, não é regra, é considerada como sendo uma atividade masculina, e se faz pelo sentimento narcísico de humilhação, não poder competir com os meninos. Esse reconhecimento da distinção anatômica dos sexos a afasta da masturbação masculina e da masculinidade e a conduz ao desenvolvimento da feminilidade.

Essa inveja, segundo Freud, depois de abandonar seu objeto, ela persiste deslocada, persiste no traço do ciúme. Isso é o que ocorre na fase pré-édipica da menina, o complexo de castração é primário, ao contrario do menino, e a prepara para vivência do complexo de Édipo.

A partir desse momento, a libido da menina é deslocada, seu desejo de possuir um pênis para o desejo de ter um filho, com esse objetivo, toma o pai como objeto de amor e, a mãe como objeto de seu ciúme. Mais tarde esta relação tem de ser abandonada, pode resultar em uma identificação com ele e então pode retornar ao complexo de masculinidade, fixada nele. Na menina, a dissolução do complexo de Édipo não encontra argumentos, mesmo abandonado é de alguma forma insatisfatória, não superada. “O que a faz abandonar sua atitude ambivalente de amor e ódio em relação aos pais”?

Entender essa questão é sine qua non para compreender de que maneira ele será revivido na adolescência e nos cria um paradoxo: como reviver algo que não foi superado, que ainda existe? Portanto, o complexo de Édipo nas meninas é uma formação secundária, o complexo de castração o antecede e o faz possível, enquanto nos meninos, o complexo de Édipo é destruído pelo complexo de castração, essa contradição se justifica, segundo Freud, porque o complexo de castração opera no sentido de seu conteúdo, ele inibe e limita a masculinidade e incentiva a feminilidade.

E concluí Freud, “A diferença entre o desenvolvimento sexual dos indivíduos do sexo masculino e feminino no estádio que estivemos considerando”., é conseqüência inteligível da distinção anatômica entre seus órgãos genitais e da situação psíquica aí envolvida, corresponde à diferença entre uma castração que foi executada e outra que foi ameaçada.
Segundo Ceccarelli , “ foram as contribuições de Lacan sobre a sexuação do corpo que mostram , que a inscrição do sujeito na função fálica não considera a diferença anatômica dos sexos . “ Feminilidade ¨ e “ masculinidade ¨ são duas representações do falus , e então , a identidade do sujeito é da ordem do significante , levando o a se posicionar no simbólico como homem ou mulher .

Referências Bibliográficas :
Freud ,S (1908) ,Sobre as teorias sexuais da criança , ESB , vol IIX .
( 1923 ) ,A Organização genital infantil , ESB , Vol : XIX .
( 1925 ) , Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos , ESB ,Vol : XIX , págs 303 à 320 .
Ceccarelli , P ( org ) , Diferenças Sexuais , 1999, pg 157 .
Artigo : A violenta repetição do Édipo na adolescência : O Caso de uma jovem homossexual .
Denise Ribeiro .

terça-feira, 22 de abril de 2008

Sobre "A jovem homossexual,ficções psicanalíticas", ainda um outro olhar


"Ainda, um outro olhar".


Resenhada por Noemi Moritz Kon (Noni), psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, mestre em psicologia pelo IPUSP e autora de Freud e seu duplo: reflexões entre psicanálise e arte. (EDUSP/FAPESP, 1996).


End. Al. Joaquim Eugênio de Lima, n. 680, cj. 53.

Tel. (011) 285-4579. CEP. 01403-001.


Ainda, um outro olhar.




Resenha de Rosa Maria Gouvêa Abras (org.) A jovem homossexual: Ficção Psicanalítica, Belo Horizonte, A. S. Passos Editora Ltda., 1996, 108 p.




"Viena, 17 de dezembro de 1919.

Liebe Elizabeth.

Alguns meses nos separam desde minha última carta. Desculpe-me pela demora, Sissi, mas, como você sabe, a vida anda bastante agitada aqui em Viena, aliás, como em toda parte. Os tempos são negros, muitas doenças e fome; as coisas não estão mesmo fáceis, mas nada que um passeio pela Ring não nos faça esquecer.

Só espero que esses novos planos dos sociais-democratas venham mesmo para garantir esta nossa república parlamentar, que nasce, como se fala por aí, das cinzas do velho império, não é?

Você tem seguido ultimamente os folhetins? São mesmo ótimos, mas não se comparam aos acontecimentos que tenho acompanhado aqui na casa dos von Kleist. Ser governanta de uma família tão tradicional aqui de Viena, me permite presenciar momentos difíceis de serem esquecidos.

Como você bem sabe, temos tido recepções muitíssimo interessantes - com concertos, valsas e, também, com declamações de poesia. Não é mais como outrora, como acontecia ainda há uma década atrás, mas é bem divertido observar damas e cavalheiros tão bem trajados, participando daquela harmoniosa e alegre atmosfera e, ao mesmo tempo, com algum estranhamento, surpreender trocas de olhares lascivos entre respeitados membros de nossa sociedade, que revelam, ou prometem, discretas relações extra-conjugais.

Mas essa é ainda a velha e nostálgica Viena, com sua jovialidade e pompa próprias de nosso querido Francisco José, que se destaca, através de um olhar mais apurado, nestas outras atitudes.

Mas deixemos de lado estas generalidades. Sissi, gostaria de lhe por a par das novidades da família von Kleist.

Você sabe que a madame acaba de ter mais um filho varão. O tempo passa, mas Frau Alma von Kleist mantém a silhueta. Vive com o caçulinha no colo, mas, é claro, sempre dispõe de tempo para suas aulas de canto e para a visita à costureira. Ela é uma ótima mulher: amável com o esposo, atenta com os empregados e com os afazeres domésticos - nada falta aqui, apesar destes tempos de dificuldade -, muito carinhosa com seus filhos varões. Mas devo lhe dizer algo: Frau von Kleist é um pouco displicente com sua filha, fräulein Leonora. Lembra-se dela?

Leonora é aquela menina fogosa, de quem já lhe falei, que se punha a brincar com seu irmão Friedrich de uma maneira tão intensa; chegaram a tal ponto, que um dia não me contive e disse a eles que uma brincadeira como aquela não era adequada.

Logo eu, que não sou dada a intervir na educação da família; sei bem qual é o meu lugar, mas não pude me conter.

Leonora, hoje uma jovem no fulgor de seus dezoito anos, é muito inteligente, até mesmo atrevida. É uma espécie de feminista, como se diz por aí; reivindica seu espaço, quer estudar, ter os mesmos direitos dos homens, enfim, ser como seu irmão.

E é justamente Leonora o personagem principal dos acontecimentos que se desenrolam aqui - na verdade, superamos de longe a ficção de Arthur Schnitzler. Nosso enredo tem ingredientes ainda mais picantes do que os dele; daria, certamente, um bom romance.

Acontece que depois de se fartar de visitar aquele menininho de três anos por quem ela tanto se afeiçoou - lembra-se que eu já lhe relatei em outra carta -, Leonora passou a procurar jovens senhoras, mães recentes.

Do que tenho ouvido falar, nas últimas férias que a família tirou na estação de águas, em Bad Gastein, Leonora passou todo o tempo atrás de uma atriz, ainda sem qualquer renome, e segundo Herr Anton von Kleist, uma moça um tanto vulgar. Seu pai, que normalmente é tão atarefado - com o trabalho e tudo o mais - e, digamos, um tanto ausente, está agora muito preocupado com a filha e com sua reputação.

Daí, os acontecimentos só se avolumaram; não sei se somente para irritar seu pai ou tê-lo mais perto, ou, ainda, para mostrar algo à mãe que lhe é, vamos dizer, um tanto distante, Leonora passou a procurar insistentemente uma certa Maria Klein, que não goza de bom nome, - parece ser mesmo uma demi-mondaine -, mas que fräulein von Kleist cerca de favores.

Segundo pude averiguar, esta tal Frau Klein teria até posado nua - é, nua! -, para um certo pintor que faleceu em outubro passado. Dizem que ele teria apanhado a gripe espanhola, mas ouvi boatos sobre suicídio. Lembra-se dele? Um mocinho chamado Egon Schiele.

Mas voltemos aos von Kleist. Outro dia a bomba estourou: Herr von Kleist, retornando do escritório, deu de cara com Leonora de braços dados com esta "zinha" em pleno passeio público. Pelo que soube, o pai lhe jogou um tal olhar que fräulein não se sustentou e caiu, ou se atirou, nos trilhos do trem. Por sorte, não se machucou muito, a coitadinha, mas ficou acamada por algumas semanas para se recompor.

Obtive, ainda, outras informações através de uma amiga que passava pelo local e tudo viu e ouviu. Segundo sua versão, Maria Klein teria dito à pobre Leonora que não a queria mais por perto. Deve ter sido um golpe muito forte para a mocinha, que assim deve ter se decidido, em um impulso, pelo suicídio.

Mas como são as coisas... este infortúnio foi de valor para Leonora. Até mesmo Frau Klein tem mandado pedir notícias sobre seu estado e, através de mensageiros, lhe presenteia com flores e doces. E mais, agora todos aqui na casa são mais carinhosos com ela. É mesmo. Todos que antes rodeavam apenas Frau von Kleist passaram a cuidar, com todo zelo, de fräulein.

Pelo que escuto nos corredores, as seguintes providências serão tomadas: em primeiro lugar, Leonora continuará um tratamento com um tal de Dr. Sigmund Freud, um médico judeu, aqui mesmo de Viena, que lhe foi indicado por seu irmão Friedrich. Segundo soube, este tratamento chama-se psicanálise. Eu mesma tenho acompanhado Leonora todos os dias - de segunda a sábado - até a rua Bergasse para que ela converse com este senhor. Algumas vezes, ela comenta o que fazem juntos: ela fala o que lhe ocorre na cabeça, ele lhe pede que lembre de fatos de sua infância e algumas vezes, eles examinam seus sonhos. É, sonhos! Não falo aqui de desejos futuros, mas destes sonhos esquisitos que temos quando dormimos. O mais estranho, (mas como penso besteiras, não deve haver nada de errado e, certamente, não seria do gosto de fräulein), é que ela fica todo o tempo deitada em um divã e ele sentado (segundo o que Leonora me diz) em uma poltrona bem atrás dela.

Leonora me parece bem, mas nada me convence de que mudará sua conduta. Ela sai do consultório do Professor Freud com uma cara muito marota. No fundo, creio que ela aceitou manter estas conversas com o Dr. Freud apenas para acalmar seu pai.

Ah, já ia me esquecendo... Herr von Kleist planeja ainda uma outra alternativa para a filha rebelde. Outro dia, entretida na limpeza, vi-o ler, para Frau von Kleist, o esboço de uma carta que ele enviaria a seu sócio, incentivando o matrimonio entre Leonora e o filho de seu amigo. Sei que é por conveniência - ainda mais, numa situação como esta -, mas seria mesmo um bom negócio.

Por hora são estas as novidades... mas deixe-me ainda lhe perguntar uma outra coisa que tem insistido em minha mente: não foi mesmo um tal Dr. Freud que andou passeando com a prima Katharina, há tantos anos atrás, pelos campos de nossa Hohe Tauern, para lhe dar uns conselhos e lhe tirar aquelas idéias amalucadas da cabeça?

De toda forma, ele não teve muito sucesso com Leonora, pois na última sessão - é assim que se chamam estes encontros - ele indicou uma outra doutora para dar prosseguimento ao tratamento de fräulein. Uma senhora chamada Helene Deutsch. Os tempos mudaram mesmo! Uma médica mulher! Quem sabe Leonora não esteja mesmo certa e as mulheres terão maiores chances no futuro e ocuparão outros espaços de trabalho além do da família, não é?

Bem, vou me despedindo. Espero que em casa todos estejam de boa saúde e aproveito o ensejo para lhes desejar um Feliz Natal e um ano próximo melhor do que estes que o antecederam.

Abraços a todos

Gunda Pappenunheim."


*


O livro que apresento aqui, A jovem homossexual: ficção psicanalítica, foi organizado por Rosa Maria Gouvêa Abras tendo como ponto de partida uma idéia muito divertida e interessante. Rosa Maria utiliza "A Psicanálise de um caso de homossexualismo numa mulher" (1920) de S. Freud, como disparador de um exercício de múltiplos olhares em torno de um mesmo acontecimento: Leonora, uma jovem de dezoito anos, tenta o suicídio, depois de receber um certo olhar de seu pai, ao ser surpreendida por este, no momento em que passeava com uma querida amiga, de má reputação, pelas ruas de Viena. Seu comportamento é o motivo pelo qual a levam ao consultório de Freud e, dos encontros que se seguiram, surge o artigo do psicanalista.

Para a discussão deste artigo de Freud, Rosa Maria Abras usa de um artifício instigante: convida diversos psicanalistas para, partindo do ponto de vista de cada um dos protagonistas da trama, fazer a narrativa dos acontecimentos. Assim, a apresentação é feita por Marcio Peter de Souza Leite, Oscar Cezarotto faz às vezes do Pai, José Domingues de Oliveira conta a versão da Mãe, Renato Mezan traz o olhar do Irmão, a visão da Dama é narrada por Ângela Maria Araújo Porto Furtado, a Jovem é encarnada por Maria Rita Kehl e ainda temos um comentário, ao modo do diário clínico de Sàndor Ferenczi, escrito por Eliana Schueler Reis, além de um resumo do caso, elaborado pela organizadora. Cada autor, em um estilo diferente, traz uma interpretação parcial dos acontecimentos e o conjunto formado por estas narrativas é, sem dúvida, muito atraente.

Este livro, de muitas versões, me fez lembrar uma peça de teatro recentemente levada em S.Paulo, chamada Tamar. Nesse espetáculo não havia palco; era encenado em uma casa e cada elemento da platéia deveria escolher um dos personagens para seguir, podendo assim ter a visão específica do protagonista eleito. Desta forma, o que se tinha eram visões parciais e, em realidade, a experiência da visão possível, sempre singular. Lembrei-me também de uma obra de Julio Cortázar, O jogo da amarelinha 1, que podia ser lida de diferentes maneiras, ao se variar a sequência dos capítulos, de forma a questionar a ordem linear e causal das histórias. Esta é uma tendência atual nas artes - basta pensar no cubismo - e que permite que experienciemos, assim como acontece na própria psicanálise, que uma história, em realidade, são inúmeras e feitas de múltiplas facetas concomitantes.

Assim sendo, o mínimo que se pode dizer da leitura deste livro é que ela é prazeirosa e que, enfim, nos enseja a adoção desta postura multifacetada, ou seja, a vivência dos muitos olhares. A personagem da criada, é claro, não faz parte da descrição de Freud; foi uma liberdade que tomei - não resisti à tentação de entrar na brincadeira -, mas ela é mesmo plausível e muitas outras o seriam. Teci-a com os fios do artigo original de Freud, mas utilizei, também, as visadas dos autores presentes no livro, apoiando-me, ainda, em alguma informação bibliográfica.

Para além deste exercício, temos o caso descrito por Freud, que, por si só, já é muito interessante e permite o rastreamento de suas primeiras observações, agora já mais claras, sobre a homossexualidade e a feminilidade, que iriam, mais tarde, se desdobrar em "Algumas consequências psíquicas da diferença sexual anatômica" (1925), "Sobre a sexualidade feminina" (1931) e "A feminilidade" (1933). Sabemos das inúmeras críticas que foram lançadas ao psicanalista quanto a sua posição relativa ao feminino. Mas Freud é Freud, e sempre nos surpreende; além de importantes indicações técnicas, poderemos seguir, em mais uma oportunidade, sua teorização, que é sempre precisa - quer concordemos com seu ponto de vista ou não - e útil.

De toda forma, Leonora, assim como Dora (Freud, S., 1905), não deu a Freud o sucesso que ele teria desejado; em ambos os casos, a relação transferencial é mal resolvida e o tratamento interrompido precocemente. Estas mulheres, assim como as suas primeiras histéricas, que o jogaram no rumo da psicanálise, lhe escapam mais uma vez.

Sintomaticamente, é a uma psicanalista que Freud entrega fräulein von Kleist para o prosseguimento de sua análise. Conjecturas levam-nos a imaginar que Helene Deutsch, a mesma que havia recebido, em confiança, o difícil discípulo Victor Tausk - que se suicidou neste mesmo ano de 1919 - tenha recebido a incumbência de dar continuidade à psicanálise de Leonora.

As mulheres - e são tantas as que marcaram sua vida -, parecem ter mesmo muito a trazer para Freud; e, assim, também o fez, a velha e feia criada de Sigmund, que o colocou no caminho de suas criações.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

O QUE O ANALISTA FAZ? CIÊNCIA?

O inconsciente não conhece a contradição (Freud, S)

A ciência é um conjunto de conhecimentos coordenados e relativos a um objeto determinado ou aos fenômenos de uma ordem ou classe. Caldas Aulete: Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa.
Muito da teoria da psicanálise teve seu fundamento no mecanicismo e no determinismo. Essas influências vieram de um grupo de pesquisadores da época que atribuíam as funções do corpo como um todo, às propriedades físicas e químicas iguais a dos objetos inanimados. Nesse início, Freud aceitou esse fisicalismo, acreditando também, que o comportamento era resultante de forças pré-determinadas sempre dentro de uma explicação. Além disso, sua teoria sofreu influências de Charcot e seu método de hipnose; de Janet que dizia que a deteriorização da memória, as idéias fixas e outros sintomas eram de causas psíquicas e de Darwin, através de sua teoria das diferenças individuais dentro da mesma espécie, levantando a hipótese de uma linha de continuidade entre o comportamento dos animais inferiores até o homem, o que suscitou em Freud a teoria da continuidade emocional da infância até a idade adulta.
A psicanálise não foi desenvolvida dentro dos muros universitários e não estava no campo da ciência pura, pois nasceu da observação clínica dos pacientes de Freud. Porém a psicanálise se relaciona com o discurso da ciência, pois seus conceitos fundadores são tradicionais no campo da Fisiologia a saber: a sensação, a percepção e a aprendizagem; seu método é a da observação clínica; e seu objeto de estudo são as estruturas clínicas.
Segundo Jéferson Pinto (Por que os Ratos não Falam?) A psicanálise vive, um paradoxo que o behaviorismo se considerado um legitimo representante da ciência, não vive. A psicanálise tem a mesma necessidade da ciência, mas é um discurso construído para recolher aquilo que a ciência expurga, ou seja, a causa do desejo do sujeito....A psicanálise só se sustentou até hoje, em um mundo tão objetivante, porque Freud era um cientista e, como tal, adotou um procedimento científico. Ele formulou o inconsciente como um objeto de estudo, o que, até, então, era inimaginável.
No entanto não é possível saber antecipadamente do inconsciente do sujeito da psicanálise, porque isso é do campo da singularidade, requerendo uma construção durante todo tempo do processo analítico. Se a ciência diz de um conjunto de conhecimentos que se acumulam formando uma teoria refutável que pode ser verificada, quantificada, etc., como podemos aplicar esses parâmetros ao inconsciente? Lacan em sua palestra sobre a psicanálise e a universidade, mostra que: A psicanálise comporta a conversão do sujeito, obriga-o a se colocar de outra forma quanto ao saber. Como o sujeito esvaziado, evanescente de Descartes, é um sujeito dito “antiuniversitário”. O sujeito na experiência psicanalítica imagina-se procurando a verdade, aquém ou além do saber. Não a encontra; mas ela sim, o encontra. A isso chamamos, lapso, chiste: momento em que o sujeito se depara ultrapassado pela palavra. Eis a razão por que tal sujeito está num estado de divisão e não no estado de controle, como no discurso universitário.
Assim perguntamos: Qual a garantia que se aplicarmos a teoria psicanalítica de uma determinada estrutura clínica em um analisando, seguindo uma técnica e uma metodologia, ele encontrará a sua verdade da mesma maneira que um outro vivencia a sua destituição subjetiva? Adotar uma posição, da ciência, de transmitir um conjunto de conhecimentos não é uma injunção do discurso psicanalítico. Mas nessa construção da verdade e da singularidade do sujeito do inconsciente o que os analistas fazem? Uma anticiência? Ou fazem cientistas?

Heloisa Mamede
Referências
Lacan, J. A Psicanálise na Universidade. In Lacan Elucidado: Palestras no Brasil. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1997.
Pinto, M.J. Por que os Ratos não Falam? In: Psicoterapias: Paradigmas em Colisão? IV Seminário de Pesquisa do Departamento de Psicologia da UFMG. 1996.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Mulheres e contemporaneidade




Angela Maria de Araujo Porto de Furtado*


A mulher, o que se pode dizer dela?
O que elas podem se dizer sobre isso?
O que pode uma psicanalista dizer sobre a mulher?
O que diz dela o inconsciente?
A pergunta se justifica na medida em que o inconsciente é um saber e ele o é tanto quanto é decifrado nos ditos dos analisandos, sejam eles homens ou mulheres.
Ninguém desconhece que a descoberta de Freud foi muito mal recebida à sua época, sob a alegação dos costumes vigentes e a acusação de pansexualismo, isto é, dizia-se que Freud via sexo em tudo!
Mas o Sexo, com maiúscula, para designar como faz a língua francesa, essa metade dos seres falantes que chamamos mulheres, este Sexo, ele não a encontrou em parte alguma! Curioso pansexualismo!
O que estou querendo dizer com isto? No inconsciente decifrado por ele, dos ditos de seus analisandos, o outro Sexo, o Segundo como diria Simone de Beauvoir, que inscreveria a diferença feminina, não existe!
As pulsões que movimentam os seres humanos são parciais, portanto, “perverso polimorfas”. A criança constroi teorias quanto à relação entre os sexos, mas na verdade as inventa, a partir da experiência parcial que tem de suas pulsões, de suas satisfações, sempre parciais. E as teorias que inventa nada dizem da diferença entre homem e mulher e deixam intacta a questão de saber o que distingue a essência da mulher...
Exemplo ingênuo, tocante e elucidativo, como tantos que poderia dar a vocês, é o da criança que um belo dia chega com ar triunfante junto aos pais, para comunicar –lhes sua recente e esclarecedora resposta para a angústia que, com certeza, o tomava sobre a questão da relação sexual, ou de como os bebês seriam feitos:
“- Ah há! Já sei o que vocês ficam fazendo debaixo das cobertas quando eu estou dormindo!...Comendo um delicioso frango assado! E não me dão nem um pedacinho!”
Como inscrever a relação sexual, a não ser através da fantasia, da imaginação e do amor? Sentimento de que aqueles dois, para quem a criança se julga tão importante, gozam de alguma coisa que ele não sabe, da qual é excluido, momento de abandono e desamor, e que à sua maneira parcial (ele adora comer frango assado), ele tem certeza de que tem alguma satisfação desconhecida, como satisfação genital, mas vislumbrada a partir dos prazeres que já teve e experimentou no corpo?.
Freud introduz, ao menos implicitamente então, a ideia de uma desnaturação do sexo no ser humano. O ser sexuado do organismo não basta para criar o ser sexuado do sujeito. O fato de nascerem homens ou mulheres não faz homens e mulheres conformados à sua anatomia nem os deixa, nem que seja eventualmente, inquietos com sua verdadeira feminilidade ou virilidade.
Quando nos referimos a “todas as mulheres” estamos falando da prevalência do registro civil. Se considerarmos a própria anatomia, quando existe o “apêndice fálico “ dizemos: “é menino”. Se não, “é menina”. Mas se se questiona se todas essas são mulheres, ou se diz “nem todas são mulheres”, estamos sugerindo de que há uma essência da feminilidade que escapa à anatomia e ao registro civil.
Freud define isso de maneira simples e clara. A feminilidade da mulher deriva do seu “ser castrada”, falta fálica que a direciona ao amor de um homem. Primeiro o pai, depois o cônjuge. Simples, não é?
Então, vejam, de forma simplificada e tosca, uma mulher se define por sua parceria com um homem...ao que as feministas objetaram com vigor, rejeitando a hierarquização do sexo! Fazer da falta fálica o núcleo do ser feminino é colocá-lo sob um signo menor.
Entretanto, se pensarmos essa mesma lógica fálica de um outro modo, em que as relações entre os sexos giram em torno de um TER ou SER um falo, a coisa muda inteiramente de figura!
Lacan começa a remanejar a tese freudiana , embora conserve a sua orientação, mas de uma forma simbólica, quando diz que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. Não se trata do pênis, mas do falo, ou seja, de um significante, que, como todo significante, tem lugar no discurso do Outro. O Outro é o lugar da linguagem, da cultura, da sociedade, do direito.
Mas há sempre um fora do discurso, algo que as palavras não são capazes de dizer, que escapam à linguagem, que apenas os poetas conseguem, quem sabe, tangenciar, tocar por um átimo. Este é o lugar “não fálico”, do que não existe como linguagem, a falha, a falta, a que todos os seres falantes estão sujeitados. Podemos chamá-lo de vários nomes: real, indizível, feminino, mulher.
E estar sujeitado ao registro fálico, isto é da linguagem , da cultura, da lei é estar sujeitado às subjetivações de nosso tempo, ao gozo fálico,igualmente oferecido a todos e de todas as formas.
Como avaliar e formular não só no ambito da relação sexual, mas em todo o conjunto da realidade do mundo contemporâneo o impacto da reformulação da civilização?
O unissex é o regime do gozo fálico. Neste particular, não se pode falar da mulher ou do feminino, enquanto ser para o sexo. O unissex, pelo contrário é a supressão de qualquer diferença sob a égide do igualitário, da universalização globalizante, até dos corpos. Os corpos, hoje, são igualmente submetidos à malhação, aos checkups, que avaliam sua durabilidade, sua resistencia com a finalidade de serem capitalizáveis até para o amor, inspeccionados que são pelas máquinas estéticas e de todas as ordens tecnológicas, a serviço do capital .
A ciência reduz todos os sujeitos ao trabalhador, ao consumidor e ao consumido!
Vejam, que de novo, não estamos falando da mulher, na sua essência .A mulher é não toda. Isto quer dizer: não toda submetida à lei, à linguagem, ao registro fálico. Não toda , mas ainda assim, como sujeito de direito, social, de linguagem, submetida a ele.
Por isto mesmo, o resultado de tudo isto não as exclui, pelo contrário
Durante séculos elas viram seus gozos serem confinados aos limites do lar nas fiunções de dona de casa, esposa e mãe. O mercado de trabalho as emancipou deste campo fechado, mas ao preço de sua inclusão em outro, alienando-as nos imperativos da produção, da competitividade desvairada.
O certo é que hoje em dia não há campo a que as mulheres não tenham acesso!
É fato que a civilização da ciência mudou a realidade das mulheres. E não se trata necessariamente da felicidade delas!
Também a elas, como sujeitos de direito, sujeitos de linguagem afeitos à modernidade, estão franqueadas a angústia, a inibição, a culpa, os sentimentos de falta de realização, o stress e os enfartos. Todas estas perturbações, como efeitos de nossos tempos, fazem parte de um novo cortejo que acompanha tais mudanças
É com frequencia que vemos surgir no consultorio todo um arsenal de novos sintomas antes considerados “masculinos” , inclusive relacionados às formas de gozar e de viver relacionamentos sexuais e amorosos, como características de uma clínica da modernidade!
A angústia muda enquanto ligada à suposição do desejo do Outro, Outro da linguagem, Outro da Sociedade, como resposta à estilhaçante exigência sem medidas da Cultura dos tempos de fast- food
.As mulheres hoje experimentam a emancipação que multiplica as possibilidades de se determinarem, em função de seus anseios: casar-se ou não, ter filhos ou não, ter um homem ou não. Um homem é desnecessário à procriação àquelas que queiram se valer de um banco de esperma.Para outras a busca de “um pai” torna-se uma exigência tão idealizada que, a modo de um “Diógenes “ moderno, tão cínico quanto, acabam provando que tal pai não existe, usando tal argumento para se furtarem à maternidade! Procrastinação, tão comum nos homens, quando não querem se comprometer..Sintomas fálicos que atingem a feminilidade, nas suas formas de se apresentar.
São outros os sintomas da clínica da contemporaneidade..
Entretanto, perguntarão as mulheres: o que fazer com isso?.
O que fazer com o fato de sermos divididas, o fato de sermos não-todas, o fato de sermos eternas recorrentes do amor, o fato de nos prestarmos a ser o sintoma do homem?
Sim, dizem que se quisermos conhecer um homem, é bom prestar bem atenção em sua mulher.E ser um sintoma, não é necessariamente ruim..O sintoma organiza, complementa, norteia, mas também é o que aponta para a verdade do sujeito, ao que ele tem de mais real. Portanto pode ser muito incômodo!
Então, justamente por serem não-todas, por se manterem em contato com mais facilidade, tal como as crianças e os loucos, com o inconsciente, prestam-se à criação, à tolerância ao imprevisto, e ao desafio de desfazer, para fazer, de novo, outra coisa.Prestam-se inclusive a ser analistas. Emprestam-se à função de “semblant” de objeto. Prestam-se desta proximidade da verdade, nunca inteira, de apontá-la e fazer disso trabalho.Prestam-se, ao risco de serem as melhores e também as piores analistas como diz Lacan, a suportar o vazio, que é de estrutura e fazer dele poesia.
Parte delas a inovação. Sua não adaptação inteira às regras dá-lhes o poder subversivo de questionar a ordem, de mudar e de livrar os seus homens do efeito de “manada”tão deletério e tão arraigado nas instituições! O amor exigido pelos ideais, pelas lideranças agregadoras dos movimentos de massa, está na base de todos os totalitarismos, se não for questionado e moderado! Para isso, aí estão as mulheres!
Ao mesmo tempo o fato de que as demandas de amor sempre partam das mulheres faz com que elas possam mediar todos os movimentos que caminhem para a disrupção e o despedaçamento, fazendo ligações!É bem certo que as ligações costumam ser de cunho mais particular, mas, por isto mesmo, eficientes quanto à garantia de um movimento legítimo no sentido de um gozo vivo, impossível de dizer.E um gozo vivo impossível de dizer articulado a um desejo feminino é o que pode causar transformação no nível do social!
Uma mulher de político conhecido, muito engraçada, talvez por estar com ele em toda a sua empreitada social e política, disse-me uma vez: -“Por trás de um grande homem, tem sempre uma grande mulher! Pois sim! Se é por trás, não sei! Que sempre tem uma mulher, tem! Se for por trás é para empurrar, se for na frente, é pra puxar, se for do lado é para acompanhar...mas que tem uma mulher, tenho certeza que tem!!!
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terça-feira, 8 de abril de 2008

Sonhos Hipócritas...realizações de desejo?




Resumo sobre a referência da nota de rodapé do texto: A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher – 1920 – Vol. XVIII, pág. 204: ‘Sonhos hipócritas’ – Interpretação dos Sonhos, Vol. IV, pág. 143, e Vol. V, pág. 503 - Ed. Standard.
Seminário: O caso da jovem homossexual. Coordenação: Ângela Porto.

“Minha teoria não se baseia numa consideração do conteúdo manifesto dos sonhos, mas se refere aos pensamentos que são indicados pelo trabalho de interpretação como existentes atrás dos sonhos. Devemos estabelecer um contraste entre o conteúdo manifesto e latente dos sonhos.” Pág. 144, Vol. IV.

O Cap. IV da Interpretação dos sonhos se refere a deformação nos sonhos. Freud se pergunta:
“Qual a origem da deformação onírica?” E responde: “Existe alguma incapacidade, durante o sono, para dar expressão direta aos nossos pensamentos oníricos.” Pág. 145, Vol. IV.

Constata que: “Em casos onde a realização do desejo é irreconhecível, onde ela tenha sido disfarçada, deve ter havido alguma inclinação para estabelecer uma defesa contra o desejo; e graças a esta defesa o desejo foi incapaz de expressar-se, a não ser de forma distorcida.” Pág. 151, Vol. IV.

Esclarece que: “Os sonhos recebem sua forma em indivíduos humanos mediante a ação de duas forças psíquicas; e que uma dessas forças constrói o desejo que é expresso pelo sonho, enquanto a outra exerce uma censura sobre esse desejo onírico e, pelo emprego dessa censura, forçosamente acarreta uma distorção na expressão do desejo... Quando temos em mente que os pensamentos oníricos latentes não são conscientes antes que se tenha procedido a uma análise, ao passo que o conteúdo manifesto do sonho é conscientemente lembrado, parece plausível supor que o privilégio fruído pela segunda força é o de permitir que os pensamentos entrem na consciência. Nada, assim parece, pode alcançar a consciência a partir do primeiro sistema sem passar pela segunda instância; e a segunda instância não permite que ocorra coisa alguma sem exercer seus direitos e fazer as modificações que julgue adequadas no pensamento que esteja procurando penetrar na consciência.” Pág. 154, Vol. IV.

Mais uma vez se pergunta: “Como os sonhos com um conteúdo aflitivo podem ser transmudados em realizações de desejo? Isso é possível se a deformação do sonho tiver ocorrido e se o conteúdo penoso servir apenas para disfarçar algo que se deseja... Os sonhos aflitivos de fato encerram alguma coisa que é penosa à segunda instância, mas algo que, ao mesmo tempo, realiza um desejo por parte da primeira instância. São sonhos impregnados de desejos até o ponto em que todo sonho decorre da primeira instância; a relação da segunda instância para com os sonhos é de natureza defensiva e não criativa.” Pág. 155, Vol. IV.

Resalta que: “Existe um componente masoquista na constituição sexual de muitas pessoas, que decorre da inversão de um componente agressivo e sádico para seu oposto. Pessoas dessa espécie podem ter sonhos de contra-desejo e sonhos desagradáveis, que são, não obstante, realizações de desejos, visto satisfazerem suas inclinações masoquistas.” Pág. 169, Vol. IV.

“Mesmo os sonhos com um conteúdo penoso devem ser construídos como realizações de desejos. O sentimento aflitivo provocado por esses sonhos sem dúvida é idêntico à repugnância que tende (em geral com êxito) a nos tolher a discutir ou mencionar tais tópicos, e que cada um de nós tem de superar-se, não obstante, não nos sentimos compelidos a nos envolvermos neles. Mas o sentimento de desprazer que dessa forma se repete não nega a existência de um desejo. Todos têm desejos que preferem não revelar a outras pessoas, e desejos que não admitem nem sequer perante si mesmos. Por outro lado, estamos justificados em ligar o caráter desagradável de todos esses sonhos com o fato da deformação onírica. E estamos justificados em concluir que esses sonhos são distorcidos e a realização de desejo neles contida se acha disfarçada até o ponto de ser irreconhecível, precisamente em vista da repugnância que se sente pelo tópico do sonho ou pelo desejo oriundo do mesmo e a uma intenção de recalcá-los. Demonstra-se assim que a deformação no sonho é um ato de censura... Um sonho é a realização (disfarçada) de um desejo (recalcado).” Pág. 170, Vol. IV.

No Vol. V. ainda da Interpretação dos Sonhos, Freud trata dos afetos nos sonhos e diz que: “Existe ainda outra maneira alternativa pela qual a elaboração onírica pode tratar com os afetos nos pensamentos oníricos, além de permitir-lhes passagem ou reduzi-los a nada. Ela pode transformá-los em seu oposto... Esta transformação de uma coisa em seu oposto é tornada possível pela íntima cadeia associativa que liga a idéia de uma coisa com seu oposto em nossos pensamentos. Como qualquer outro tipo de deslocamento, ela pode servir aos fins da censura, mas é também, com freqüência, um produto da realização de desejo, por que esta consiste em nada mais que uma substituição de uma coisa desagradável pelo seu oposto.” Pág. 504, Vol. V.

No caso da jovem homossexual, Freud relata que em certo momento ela trouxe para a análise uma série de sonhos, “que previam a cura da inversão pelo tratamento, expressavam sua alegria pelas perspectivas de vida que então se lhe abririam, confessavam seu anseio pelo amor de um homem e por filhos”.

Pela lógica freudiana esses sonhos apresentavam-se deformados pela censura, e podiam ser traduzidos. No seu relato à Freud ela não escondia “que pretendia se casar só para fugir da tirania do pai, e seguir livremente suas verdadeiras inclinações. Em relação ao marido, observava que lidaria com ele com facilidade, e que poderiam ter relações com um homem e uma mulher ao mesmo tempo, como o exemplo de sua adorada”.

Estavam evidentes as contradições entre os sonhos e as afirmativas da jovem na vida desperta. Freud então a interpreta dizendo não acreditar naqueles sonhos, que lhe parecia falsos e hipócritas e que ela pretendia enganá-lo, tal como habitualmente enganava o pai.

Freud achava que estava certo porque os sonhos cessaram após esse esclarecimento. Acreditava também que além da intenção de desorientá-lo, os sonhos expressavam o desejo de ganhar sua boa opinião para posteriormente desapontá-lo mais completamente ainda. Freud então não acreditava ter sensibilizado a jovem com sua interpretação. Achava que o seu comportamento se repetiria novamente.

Esta interpretação foi fundamentada na transferência da jovem quanto ao repúdio em relação aos homens que a dominara, em função do desapontamento sofrido com o pai, que “não lhe dera um filho”.

Na visão de Freud, essa forma de transferência inviabilizou o tratamento da jovem. Em sua experiência clínica ficava evidente que o repúdio contra os homens se manifestaria numa transferência negativa com o analista, tornando ineficazes os esforços do mesmo e o apego à doença por parte do paciente. “Sei por experiência quão difícil é fazer o paciente entender esse tipo silencioso de comportamento sintomático e torná-lo ciente desta hostilidade latente e excessivamente forte (reação terapêutica negativa) sem por em perigo o tratamento”. Neste momento Freud interrompe a análise da jovem e aconselha aos pais que o tratamento deveria ser continuado por uma mulher.


Suposições:

Porque Freud não acreditou que sua interpretação sensibilizaria a jovem? Pensando no conceito lacaniano de Sujeito Suposto Saber: a jovem nesse momento supunha um saber a Freud, de que ele sabia de seu repúdio aos homens. O que se sucede com Freud? Que tipo de pensamento lhe ocorre? Que mulheres que repudiam homens não são tratáveis? Ou ele se identifica com os homens que são repudiados... Ele também se coloca como possível de ser repudiado... Ele se presta como objeto para a fantasia da jovem, tamponando-a. Ele se coloca para a jovem como seu pai: homem repudiado. E interrompe o tratamento.

Pensando no conceito de verdade não-toda, Freud não suportou ou não acolheu o não-sabido da jovem, o furo no saber: repúdio aos homens como ponto de contradição e enodamento (as duas intenções de amor e ódio ao pai), Freud nesse momento não sustentou o seu não-sabido, respondeu ao “Que queres?”. Não sustentou o enigma... Assim não foi possível atualização do inconsciente com o seu ponto de não-saber.

Atendo-nos ao texto freudiano, pensando em estrutura, nesse momento parece que houve uma posição histérica da jovem. Mas na verdade trata-se de uma suposição, como o tratamento foi interrompido, não foi possível uma confirmação dessa suposição de estrutura.

Simone Caporali Ribeiro