terça-feira, 8 de abril de 2008
Sonhos Hipócritas...realizações de desejo?
Resumo sobre a referência da nota de rodapé do texto: A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher – 1920 – Vol. XVIII, pág. 204: ‘Sonhos hipócritas’ – Interpretação dos Sonhos, Vol. IV, pág. 143, e Vol. V, pág. 503 - Ed. Standard.
Seminário: O caso da jovem homossexual. Coordenação: Ângela Porto.
“Minha teoria não se baseia numa consideração do conteúdo manifesto dos sonhos, mas se refere aos pensamentos que são indicados pelo trabalho de interpretação como existentes atrás dos sonhos. Devemos estabelecer um contraste entre o conteúdo manifesto e latente dos sonhos.” Pág. 144, Vol. IV.
O Cap. IV da Interpretação dos sonhos se refere a deformação nos sonhos. Freud se pergunta:
“Qual a origem da deformação onírica?” E responde: “Existe alguma incapacidade, durante o sono, para dar expressão direta aos nossos pensamentos oníricos.” Pág. 145, Vol. IV.
Constata que: “Em casos onde a realização do desejo é irreconhecível, onde ela tenha sido disfarçada, deve ter havido alguma inclinação para estabelecer uma defesa contra o desejo; e graças a esta defesa o desejo foi incapaz de expressar-se, a não ser de forma distorcida.” Pág. 151, Vol. IV.
Esclarece que: “Os sonhos recebem sua forma em indivíduos humanos mediante a ação de duas forças psíquicas; e que uma dessas forças constrói o desejo que é expresso pelo sonho, enquanto a outra exerce uma censura sobre esse desejo onírico e, pelo emprego dessa censura, forçosamente acarreta uma distorção na expressão do desejo... Quando temos em mente que os pensamentos oníricos latentes não são conscientes antes que se tenha procedido a uma análise, ao passo que o conteúdo manifesto do sonho é conscientemente lembrado, parece plausível supor que o privilégio fruído pela segunda força é o de permitir que os pensamentos entrem na consciência. Nada, assim parece, pode alcançar a consciência a partir do primeiro sistema sem passar pela segunda instância; e a segunda instância não permite que ocorra coisa alguma sem exercer seus direitos e fazer as modificações que julgue adequadas no pensamento que esteja procurando penetrar na consciência.” Pág. 154, Vol. IV.
Mais uma vez se pergunta: “Como os sonhos com um conteúdo aflitivo podem ser transmudados em realizações de desejo? Isso é possível se a deformação do sonho tiver ocorrido e se o conteúdo penoso servir apenas para disfarçar algo que se deseja... Os sonhos aflitivos de fato encerram alguma coisa que é penosa à segunda instância, mas algo que, ao mesmo tempo, realiza um desejo por parte da primeira instância. São sonhos impregnados de desejos até o ponto em que todo sonho decorre da primeira instância; a relação da segunda instância para com os sonhos é de natureza defensiva e não criativa.” Pág. 155, Vol. IV.
Resalta que: “Existe um componente masoquista na constituição sexual de muitas pessoas, que decorre da inversão de um componente agressivo e sádico para seu oposto. Pessoas dessa espécie podem ter sonhos de contra-desejo e sonhos desagradáveis, que são, não obstante, realizações de desejos, visto satisfazerem suas inclinações masoquistas.” Pág. 169, Vol. IV.
“Mesmo os sonhos com um conteúdo penoso devem ser construídos como realizações de desejos. O sentimento aflitivo provocado por esses sonhos sem dúvida é idêntico à repugnância que tende (em geral com êxito) a nos tolher a discutir ou mencionar tais tópicos, e que cada um de nós tem de superar-se, não obstante, não nos sentimos compelidos a nos envolvermos neles. Mas o sentimento de desprazer que dessa forma se repete não nega a existência de um desejo. Todos têm desejos que preferem não revelar a outras pessoas, e desejos que não admitem nem sequer perante si mesmos. Por outro lado, estamos justificados em ligar o caráter desagradável de todos esses sonhos com o fato da deformação onírica. E estamos justificados em concluir que esses sonhos são distorcidos e a realização de desejo neles contida se acha disfarçada até o ponto de ser irreconhecível, precisamente em vista da repugnância que se sente pelo tópico do sonho ou pelo desejo oriundo do mesmo e a uma intenção de recalcá-los. Demonstra-se assim que a deformação no sonho é um ato de censura... Um sonho é a realização (disfarçada) de um desejo (recalcado).” Pág. 170, Vol. IV.
No Vol. V. ainda da Interpretação dos Sonhos, Freud trata dos afetos nos sonhos e diz que: “Existe ainda outra maneira alternativa pela qual a elaboração onírica pode tratar com os afetos nos pensamentos oníricos, além de permitir-lhes passagem ou reduzi-los a nada. Ela pode transformá-los em seu oposto... Esta transformação de uma coisa em seu oposto é tornada possível pela íntima cadeia associativa que liga a idéia de uma coisa com seu oposto em nossos pensamentos. Como qualquer outro tipo de deslocamento, ela pode servir aos fins da censura, mas é também, com freqüência, um produto da realização de desejo, por que esta consiste em nada mais que uma substituição de uma coisa desagradável pelo seu oposto.” Pág. 504, Vol. V.
No caso da jovem homossexual, Freud relata que em certo momento ela trouxe para a análise uma série de sonhos, “que previam a cura da inversão pelo tratamento, expressavam sua alegria pelas perspectivas de vida que então se lhe abririam, confessavam seu anseio pelo amor de um homem e por filhos”.
Pela lógica freudiana esses sonhos apresentavam-se deformados pela censura, e podiam ser traduzidos. No seu relato à Freud ela não escondia “que pretendia se casar só para fugir da tirania do pai, e seguir livremente suas verdadeiras inclinações. Em relação ao marido, observava que lidaria com ele com facilidade, e que poderiam ter relações com um homem e uma mulher ao mesmo tempo, como o exemplo de sua adorada”.
Estavam evidentes as contradições entre os sonhos e as afirmativas da jovem na vida desperta. Freud então a interpreta dizendo não acreditar naqueles sonhos, que lhe parecia falsos e hipócritas e que ela pretendia enganá-lo, tal como habitualmente enganava o pai.
Freud achava que estava certo porque os sonhos cessaram após esse esclarecimento. Acreditava também que além da intenção de desorientá-lo, os sonhos expressavam o desejo de ganhar sua boa opinião para posteriormente desapontá-lo mais completamente ainda. Freud então não acreditava ter sensibilizado a jovem com sua interpretação. Achava que o seu comportamento se repetiria novamente.
Esta interpretação foi fundamentada na transferência da jovem quanto ao repúdio em relação aos homens que a dominara, em função do desapontamento sofrido com o pai, que “não lhe dera um filho”.
Na visão de Freud, essa forma de transferência inviabilizou o tratamento da jovem. Em sua experiência clínica ficava evidente que o repúdio contra os homens se manifestaria numa transferência negativa com o analista, tornando ineficazes os esforços do mesmo e o apego à doença por parte do paciente. “Sei por experiência quão difícil é fazer o paciente entender esse tipo silencioso de comportamento sintomático e torná-lo ciente desta hostilidade latente e excessivamente forte (reação terapêutica negativa) sem por em perigo o tratamento”. Neste momento Freud interrompe a análise da jovem e aconselha aos pais que o tratamento deveria ser continuado por uma mulher.
Suposições:
Porque Freud não acreditou que sua interpretação sensibilizaria a jovem? Pensando no conceito lacaniano de Sujeito Suposto Saber: a jovem nesse momento supunha um saber a Freud, de que ele sabia de seu repúdio aos homens. O que se sucede com Freud? Que tipo de pensamento lhe ocorre? Que mulheres que repudiam homens não são tratáveis? Ou ele se identifica com os homens que são repudiados... Ele também se coloca como possível de ser repudiado... Ele se presta como objeto para a fantasia da jovem, tamponando-a. Ele se coloca para a jovem como seu pai: homem repudiado. E interrompe o tratamento.
Pensando no conceito de verdade não-toda, Freud não suportou ou não acolheu o não-sabido da jovem, o furo no saber: repúdio aos homens como ponto de contradição e enodamento (as duas intenções de amor e ódio ao pai), Freud nesse momento não sustentou o seu não-sabido, respondeu ao “Que queres?”. Não sustentou o enigma... Assim não foi possível atualização do inconsciente com o seu ponto de não-saber.
Atendo-nos ao texto freudiano, pensando em estrutura, nesse momento parece que houve uma posição histérica da jovem. Mas na verdade trata-se de uma suposição, como o tratamento foi interrompido, não foi possível uma confirmação dessa suposição de estrutura.
Simone Caporali Ribeiro
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