quarta-feira, 30 de julho de 2008

DE DORA A SIDONIE OU DA METÁFORA A METONIMIA


Heloisa Mamede Silva Gonzaga

Ao procurar as fontes que permitam retraçar uma história da homossexualidade através das eras, uma constatação impressiona o espírito curioso: a história da homossexualidade é a história da homossexualidade masculina. Na realidade, não se atribui importância à homossexualidade feminina,na medida em que o erotismo entre as mulheres não comporta os mesmos riscos-conscientes e inconscientes que o erotismo entre os homens. Convém, na verdade, se quisermos examinar essa questão com um pouco de seriedade e apuro, tomar como ponto de partida de nossa reflexão, o fato de que a homossexualidade feminina e a masculina não são simétricas. A dessimetria faz-se notar, primeiramente, no nível da relação com o pai.O homem homossexual cede todas as mulheres ao pai e assim se esquiva de qualquer conflito com ele, a mulher homossexual, por sua vez, ao abandonar todos os homens à mãe, só faz preparar o terreno onde se atribui a missão de enfrentar o pai no próprio campo de seu desejo. Serge André In: A Impostura Perversa
O que faz o dom é que um sujeito dá alguma coisa de uma maneira gratuita; na medida em que, por detrás do que ele dá, existe tudo o que lhe falta, é que o sujeito sacrifica para além daquilo que ele tem. Lacan: In: O Seminário a Relação de Objeto.
A estrutura histérica: A histérica tenta evitar a angústia decorrente da constatação da castração do Outro, mantendo a questão do recalque em constante funcionamento. Isso mostra que todos os sintomas histéricos giram em torno da questão da falta de um significante que um dia, ela crê, será encontrado, o que faz com que o sintoma seja sempre um demandar de encontrar a perfeição no Outro. Está, portanto, nessa procura de ideal de gozo e na reinvidicação da posse do falo, mostrando a insatisfação permanente em ter que estar em uma posição diferente da masculina.
A estrutura perversa: A questão da perversão liga-se a concepção que a criança tem de sua relação com a mãe. Para que a criança se identifique com o objeto de desejo da mãe, é necessário que a mãe a simbolize no falo. O interdito dessa relação entre o segundo e terceiro tempo do Édipo, produz uma frustração na criança e a privação da mãe perante a criança. Isso revela a criança que ela está submetida a uma lei que não é dela. No caso da perversão ocorre uma negação dessa lei, sendo a mãe a detentora do falo aquela que dita a lei ao pai. Em outras palavras a criança se mantém na identificação fálica.
A leitura do romance Sidonie Csillag: La joven homossexual de Freud de Inês Rieder e Diana Voigt, produz um estranhamento perante o amor de adoração da jovem Sidonie (Sidi) pela Dama (Leonie). Será que as mulheres são amadas, desse modo, quando se trata de um homem? Sidi era uma jovem protegida, sem experiências sexuais e apesar do meio mundano em que se encontrava com a Dama, permanecia intocável, inocente, sem nenhum saber sobre o desejo erótico. Queria, apenas, ser a única da Outra dentre todas as mulheres que a cortejam.
Sidonie pronto se da cuenta de que, probablemente, es la única persona femenina “correcta” em el entorno lascivo de su hermosa. Su amor es tan fuerte que en algún momento, se instalará en lo profundo del corazón de Leonie.
De que estrutura estamos falando? Seria essa passagem de ser a única e absoluta ao lado de Leonie, nessa recusa ao gozo sexual, uma posição de assujeitamento ao registro do imaginário como objeto falo que tampona a falta materna,objeto único do desejo do Outro? Ou seria o imperativo de se tornar o falo da Dama em uma posição masculina própria da estrutura histérica? Não ter o encargo do gozo é algo que a histérica se interroga colocando em julgamento a questão da função paterna e seus limites.
Tantas são as perguntas, tantas são as leituras que fazemos... quem sabe encontraremos algumas respostas na mãe sedutora ou no pai rico e poderoso?
A jovem homossexual: Um desvio na rota edipiana
Por que um desvio? Por ser uma perversão constituída na adolescência que não tem a garantia de uma estrutura perversa. Um olhar psicanalítico nos diz que a jovem se interessando por objetos de amor que dizem da feminilidade a saber mulheres em situação maternal, ou crianças, viveu o interdito da castração se colocando porem em uma posição histérica perante uma mãe fálica o que a levou a desejar ser reconhecida e amada em sua feminilidade pelo pai.
A mãe de Sidi era de grande beleza, coquette bastante assediada pelos homens, porém mantendo- os à distância, fazendo de sua imagem corporal, um falo. É nessa posição que expõe a sua feminilidade ao pai de Sidi, mostrando para o mesmo a sua fraqueza de não ser homem suficiente para ela. Sidi sempre fora preterida pela mãe que a mantinha distante do pai, além de se desmanchar em carinhos para com os três filhos homens. A rivalidade materna preservava o seu isolamento o que provavelmente a induziu mais tarde a buscar a figura materna em outras mulheres. O pai rico e poderoso era distante, exigente, rígido com a família e ao mesmo tempo fraco, bancando o homem em uma posição de passividade antes de tudo feminina, perante essa esposa sedutora. Freud nos mostra que é no desejo pelo pai, quando recalcado, que estaria a origem da histeria. A passividade da histérica perante o desejo do Outro, responderia, então, ao desejo de restaurar a figura paterna. Essa irrealização tem seu contraponto na fantasia de preencher a hiância constituída pela castração da mãe.
A mulher não existe, diz Lacan. Isso implica na inexistência de uma identidade propriamente feminina, ou seja, a ausência de um significante da feminilidade. A mulher identifica-se ao falo pela lógica de ser objeto de desejo, sendo o mais além dessa identificação, o reencontrar dos impasses da relação com o Outro materno e com o imperativo do gozo.
Dentro dessa lógica lacaniana a questão de Sidi seria afastar-se dos homens deixando-os para a mãe e/ou mostrar ao pai que queria ser amada por sua feminilidade além de um objeto desejável? Argumento que Sidi não queria ser desejada, mas sim encarnar o modelo de perfeição buscando o amor ideal. Não é essa sempre a procura da histérica, o amor total numa mistura de amor e desejo? Seria, então, a homossexualidade de Sidi aquela a que a histérica é conduzida por sua neurose ou a da posição perversa que a fazia se interessar por outra mulher experimentando um gozo inacessível ao homem? Na posição perversa a mulher sustenta que está em melhores condições do que o homem para fazer a outra mulher gozar. É verdade, que a introdução de Freud entre essas duas mulheres, correspondeu a inserção de uma figura masculina a qual a jovem ironizava e burlava contando seus encontros com a Dama como se fossem sonhos. Mas não seriam fantasias histéricas?
Para que possamos entender um pouco dessa posição homossexual feminina vamos introduzir os esquemas de Lacan referentes a esse caso:
A relação do sujeito com o Outro (Esquema Z):
Gênese do sujeito
S •.........................• a outro


(eu) a _____________ A (Outro) O Pai imaginário

a´________________a (Relação imaginária)
A (Outro)_______................S (inconsciente) (O sujeito recebe do Outro sua própria mensagem, sob a forma de uma palavra inconsciente)

A jovem homossexual: Criança_________________Dama real


Pai imaginário_________________ Pênis simbólico
O pai deixa de ser o pai simbólico introduzindo um real (dá um filho á mãe) e é nesse momento que ocorre o desvio da rota edipiana que se reeditava no tempo de latência, ou seja, o que estava articulado ao nível do Outro se articula em uma nova relação de maneira imaginária, passando o pai ao nível do imaginário o que segundo Lacan: é por essa razão e não por outra que isso vai resultar numa perversão. Podemos então colocar a relação da jovem em uma dupla torção a primeira em uma estrutura histérica constituída na via da castração e a segunda em uma inversão onde ela se torna o pai imaginário conservando seu pênis.
Essa torção nos remete ao caso Dora uma jovem paciente de Freud e a Violette e Rose as duas homossexuais pacientes de Serge André, caso citado em Impostura Perversa.
Vejamos o par parental no caso Dora: o pai é citado por Lacan como impotente, e amante da sra. K casada com o sr. K. A mãe está ausente da situação ao contrário do falicismo da mãe da jovem homossexual. Dora protege os encontros do pai com a dama (senhora K). A Dama (senhora K) é a confidente de Dora. Ao longo do caso fica evidente que a senhora K é a questão de Dora que se apega na posição histérica à pergunta o que é uma mulher?Ou o que meu pai ama nessa mulher além do que eu tenho? Lacan esquematiza assim o caso Dora:
Senhora K___________________sr. K (com quem Dora se identifica)
A questão


Dora______________________Pai (permanece o Outro por excelência)
Dora e Sidonie: Sidonie envia ao seu pai uma mensagem metonímica: ou seja mostra ao seu pai que se pode amar alguém (a dama) não apenas pelo o que a pessoa tem, mas também pelo que não tem, ou seja o pênis simbólico que no seu pai se encontra porque não é impotente. Quanto a Dora a sua implicação neurótica é metafórica por se colocar como sujeito em uma cadeia de um número determinado de significantes, presa em uma teia onde não sabe se situar.
Será que podemos contrapor Violette (estrutura perversa), e Sidonie (A jovem homossexual) a Dora e Rose (estruturas histéricas)?
O par parental de Rose (estrutura histérica segundo Serge André): a mãe de singular beleza sedutora, assiduamente cobiçada pelos homens, fazendo comparações ofensivas para a filha afim de se conservar o falo. O pai machão, fracassado, bancando o homem em uma posição feminina. Estamos falando de Rose ou Sidonie?
O par parental de Violette (estrutura perversa): a mãe figura apagada sem contato social, o pai tirano doméstico, e machão. Violette se apresentava dizendo que desde pequena gostava de fazer coisas de sexo Tenho a impressão de ter sido prostituta desde sempre. Segundo André: Violette apresentava uma inversão não apenas ao nível da escolha de objeto (objeto de desejo e não de amor), mas também ao nível da identificação sexual.
Onde colocar a jovem homossexual? Ou melhor onde colocar o nome do Pai nessas quatro estruturas?
Lacan pergunta O que é um pai? Um pai segundo ele é um sintoma. Nessa vertente ele coloca duas versões a versão pai, a père-version paterna, e a outra que poderíamos dizer não paterna. Então temos o Pai, ou seja o sintoma Pai e os outros não pela via do sintoma, mas que podem ser genitores. Existe, portanto uma diferença entre o Pai e o Homem. Essa diferença é básica no Édipo relacionando-se com a frustração e a privação quando no interdito aparece a mulher não toda para um homem específico. Para Lacan o Pai é aquele que faz uma mulher o objeto a que causa seu desejo. A metáfora paterna faz do desejo da mãe a precondição e a mediação necessária à função do Nome-do-Pai. Esse sintoma pai é o sintoma que podemos chamar de função paterna e Lacan o redefiniu em termos de modulação borromeana entre o pai real, simbólico e imaginário.
Sendo a metáfora paterna única o que devemos observar é como cada uma das jovens vive a sua própria feminilidade perante essa metáfora.
Podemos dizer que existe nessa exigência do olhar do Pai e para o Pai que a jovem homossexual tinha quando acompanhada pela Dama uma demanda do significante faltoso que a faria mulher. Quanto a Dora podemos dizer desse duplo, tão comum na clínica da histérica, do pai sedutor dizendo que o pai real existe, isto é que ele tem a chave do gozo e também o Pai simbólico do Édipo como o pai impotente para manter as promessas de desejo.
O pai de Rose e o pai de Violette se situa como o pai primevo que goza ou tenta gozar de todas as mulheres, incluindo o desejo incestuoso em relação às filhas, significando a inexistência do pai edipiano. Para que o pai edipiano se apresente é necessário que o pai primevo esteja morto.
Como vemos marcados pela estrutura clínica cada caso traz a marca da singularidade. Ressaltamos que a homossexualidade não se achava inscrita na fantasia da jovem homossexual, tornando-se posteriormente um acessório. Em Violette não havia a idealização da mulher de ser o falo, mas sim de tê-lo. Rose mascarava seu desejo reinvidicando o amor absoluto, quanto a Dora sabe que o amor existe, mas não sabe onde ele está. (Lacan: In: Relação de Objeto).
Termino, citando Serge André: É importante distinguir pelo menos duas maneiras de alguém ser e se dizer homossexual: a maneira histérica e a maneira perversa. A homossexualidade não pode ser tomada por uma estrutura, nem sequer por uma unidade clínica, ainda que do ponto de vista social, jurídico ou moral, possa receber essa unidade.
Heloísa Mamede Silva Gonzaga
Referências
Freud, S. A Psicogênese de um Caso de Homossexualismo numa Mulher. ESB, vol. XVIII, Rio de Janeiro, ed. Imago, 1996.
Lacan, J. Seminário Mais Ainda. Rio de Janeiro, ed. Jorge Zahar, 1985.
Lacan, J. Seminário A Relação de Objeto. Rio de Janeiro, ed. Jorge Zahar, 1995.
André, S. Duas homossexuais. In: A Impostura Perversa. Rio de Janeiro, ed. Jorge Zahar, 1995.





segunda-feira, 23 de junho de 2008

Père-version: Única escolha possível para a jovem homossexual de Freud?




Maria Barcelos de Carvalho Coelho

Sabemos pelos textos de Freud, “A organização genital infantil” (1923), “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos” (1925) que, quando a menina se vê privada do pênis ela terá que se haver com as decepções decorrentes desta falta real em sua anatomia.Mais tarde Lacan introduz a complexidade das relações objetais inevitáveis à constituição do sujeito, neste caso, o sujeito feminino. Seria então através das fantasias sexuais em torno de sua castração (dívida simbólica) que a menina terá que atravessar um longo percurso até se introduzir, retroativamente, no Complexo de Édipo _ processo este, que,diferentemente dos meninos_ ela terá dificuldades de sair.
É nesse momento que vemos operar um outro conceito em Lacan que irá nos permitir compreender como a demanda de amor (como dom), é um elemento central para inscrever a significação fálica na mulher. Seria pois, no cerne da dialética da frustração que a mulher ascenderia a seu status de sujeito,(...) condição necessária ao estabelecimento dessa ordem simbolizada do real onde poderá por exemplo, instaurar como existentes e admitidas certas privações permanentes.

Para Lacan o caso da “Jovem homossexual” é emblemático para falar de uma certa particularidade na escolha amorosa de cada mulher. Traz como elemento desencadeador dessa história, o amor/ódio contido tanto na moça como provavelmente em seu pai. Mas, o mais surpreendente é que esse afeto ambíguo, estendido até à análise da jovem através da transferência, não faz surgir o acesso ao Outro_ aquele terceiro elemento através do qual o inconsciente se mostra com toda sua verdade. Verdade que pode conter também o engodo de certas “mentiras” veladas. Segundo Lacan, a “jovem” repete com Freud todo jogo de “contra malogro” que fizera com seu pai ao passear com a dama em frente à janela de sua casa. Jogo cruel no qual Freud se prende imaginariamente, não percebendo que em seus sonhos, ( da moça) mesmo que sejam mentirosos, havia desejo e não a intensão de engana-lo como supunha ele. Tanto na vida como na análise a “jovem” tem sonhos de ter filhos e se casar. Pelo relato de sua biografia sabemos que Sidonie, para ganhar a vida, ocupa-se de crianças, cuidando-as, como preceptora. Mas nesta história, quem seria a criança afinal? Quando digo criança refiro-me àquele traço inconsciente fixado na pré-história do sujeito do qual Lacan fala mas nos deixa um pouco na sombra: Uma fixação perversa estrutural ou uma père-version _ condição subjetiva que teria na particularidade de cada história de amor de uma filha à seu pai a pre- moldagem de sua escolha objetal amorosa. Lacan nos aponta neste caso uma perversão reativa, tardia, vindo à tona pelo nascimento de um irmãozinho temporão. (...) os homossexuais, com efeito, contrariamente do que se poderia acreditar, mas como a análise fez ver, são sujeitos que fizeram num certo momento uma fixação paterna muito forte. No caso da “jovem”, porém, percebemos que é justamente a frustração frente à decepção quanto ao amor de seu pai_ quando este lhe nega o filho e também o acolhimento à sua paixão à dama_ que a faz, estranhamente ascender ao simbólico. Uma única escolha possível entraria aí neste registro pelo sinal de menos. E esta fatalidade insere a jovem na linguagem do amor. Um sujeito muito particular, tendo como inscrição simbólica um acontecimento real_ o nascimento de uma criança que não é dado à ela mas a alguém que lhe é muito próximo: sua própria mãe. E essa criança que cai- niederkommen -sendo ela mesma ou o irmãozinho, a conduz em direção ao amor às mulheres. (...) Se isso a sustentava na relação entre as mulheres, é que já estava instituída para ela a presença paterna como tal, o pai por excelência, o pai como fundamental, o pai que será sempre para ela toda espécie de homem que lhe dará um filho. ..

Amor cortês: idealização/ sublimação ou um modo masculino de amar

Vimos até aqui como a frustração fez emergir na história da “jovem” a criança latente que a habitava e como um fato real e aleatório _ um nascimento inesperado_ inverte a equação e a conduz ao amor. Perguntamo-nos agora: De que ordem é esse amor? Segundo Freud, um amor cortês.
Se partilhamos da idéia de que o objeto nas relações amorosas é o que há de mais evanescente e enigmático _ daí talvez uma das impossibilidade da relação sexual_ quem sabe possamos acreditar na sua legitimidade. Segundo Lacan este é um tipo de amor que pode se expandir, pois traz no seu âmago a instituição da falta na relação com o objeto O amor cortês é um amor que se exprime pela exaltação à dama, e esta particularidade de não satisfação é que eleva esse tipo de amor à seu mais alto grau de simbolização.Um amor männliche que segundo Lacan, Freud reserva ao registro da experiência masculina. No caso de Sidonie, que se inscreve na significação fálica pela via da negação, o que poderá esta oferecer à sua amada ou buscar nela? Levando em conta a má reputação da dama que provavelmente é investida de misteriosos atributos femininos, fálicos, só resta à jovem inventar um amor: o amor apaixonado do cavalheiro à sua amada dama. Lacan, colocando a questão do desejo para além da mulher nos traz uma solução ou, quem sabe, nos conduz a aprofundar o mistério.
(...)O reflexo da decepção fundamental nesse nível, sua passagem ao plano do amor cortês, a saída encontrada pelo sujeito neste registro amoroso coloca a questão de saber o que é na mulher, amado para além dela mesma (...) O que é, propriamente falando, desejado na mulher é justamente aquilo que lhe falta. (...)O que é buscado para além dela é o objeto central de toda a economia libidinal: o falo

Maria Barcelos de Carvalho Coelho

Referências bibliográficas:
LACAN, JACQUES. O seminário. livro 4: a relação de objeto. Jorge Zahar Editor; Rio de Janeiro: 1995
Belo- Horizonte, 18 de junho de 2008-06-18









quinta-feira, 29 de maio de 2008

Noite de Trabalho!


Deu-se em 28/05/2008, no Iepsi, a apresentação de trabalhos de participants do Seminário da Jovem Homossexual de Freud. Um recorte, um olhar, uma voz, a escuta pelos apresentadores dos trabalhos de cada um e do momento de nosso estudo.
Lucia Cunha Frota com o viés da história da Jovem, pano de fundo e configuração apresentada pelo livro interessantíssimo de sua biografia romanceada, escrita por Ines Rieder e Diana Voigt, que, ao fim e ao cabo, nos trazem a particularidade da vida de uma homossexual nos anos 20 e posteriores, que confirma e registra as hipóteses freudianas de sua estrutura, não sem trazer à luz os tropeços e dificuldades do mestre no manejo de sua análise.Denise Ribeiro, com o trabalho pertinente de "Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica dos sexos" traz as elaborações a que Freud foi conduzido, após o atendimento da Jovem, que nele suscitou questões importantíssimas sobre a relação arcaica da menina com sua mãe,nas suas turbulências, como constituinte da sexualidade feminina.Heloisa Mamede, reenceta sua questão insistente mas não menos sedutora e instigante, quanto ao diagnóstico feito por Freud de uma perversão da Jovem, que nos leva à direção do pai e de suas versões, tema ainda no nascedouro em nosso estudo, mas necessário e, certamente, imprescindível em nossos próximos avanços. Simone Caporali tempera todas as tramas de nossas questões com os "Mecanismos do Ciúme no Homossexualismo Masculino" cuja estrutura não só instrui os casos desta natureza, como cotejam homossexualidade feminina e masculina e suas diferenças. Há coisas por decifrar! Finalmente, Maria Barcelos traz-nos um texto provocativo intitulado "Trocar de Sexo"? onde, de novo e mais detalhadamente, a relação primária, pré- edípica, da menina com sua mãe retorna na discussão da catástrofe que representa a experiência da castração nas meninas e as diversas posições possíveis de serem assumidas diante dela, por referência à relação com a mãe e em direção ao pai, movimentos que irão definir suas escolhas sexuais.
NOITE DE TRABALHO !!

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Assim aconteceu. O pai passou por ela!


Seminário: “A jovem homossexual” - Ata de 9/5/2008

Assim aconteceu. O pai passou por ela, na rua, de olhar furioso para ela e sua companheira, de que, nessa época, vinha tomando conhecimento. Poucos momentos depois, ela atirou-se para dentro do corte ferroviário.

O recorte do texto freudiano descreve a tentativa de suicídio da jovem. Tentativa que, para Freud, aponta a realização de uma punição (autopunição) e a realização do desejo de ter um filho do pai. Presentes na cena estão a jovem, a Dama, o ódio do olhar do pai, a tentativa.
Lembra Daisy Justus que o estudo sobre o suicídio entrou na Psicanálise atravessado pela marca da vida cotidiana. “Quando em 1901 Freud escreveu a Psicopatologia da vida cotidiana, colocou-o sob o selo dos ‘equívocos’, ou seja, em parceria com os esquecimentos, os lapsos e os atos falhos, ‘onde o patológico se avizinha mais com o normal’. O equívoco torna transparente um ato pelo qual ‘o efeito falho parece constituir um elemento essencial’. O ato é ‘falho’ na medida em que há ‘não-conformidade à intenção, mas é vitorioso na medida em que uma outra idéia, dessa vez inconsciente, faz desviar a ação inicial’. "
Lacan, no Seminário 10 , considera o niederkommen, termo utilizado por Freud, essencial para o relacionamento súbito do sujeito com o que ele é como a. E diz: “não é à toa que o sujeito melancólico tem tamanha propensão, e sempre realizada com rapidez fulgurante, desconcertante, a se atirar pela janela. Com efeito, na medida em que nos lembra o limite entre a cena” (cena do Outro – onde o sujeito tem de se constituir) “e o mundo, a janela nos indica o que significa esse ato – o sujeito como que retorna à exclusão fundamental em que se sente”. É nesse momento desconcertante que se dá a conjunção do desejo com a lei.
Lacan afirma também não ter sido apenas um olhar irritado do pai motivo suficiente para produzir-se a passagem ao ato. É necessário chegar-se à estrutura da relação entre eles. Resumidamente, lembra que a jovem, decepcionada com o pai pelo nascimento do irmãozinho, empenhara-se em oferecer à sua Dama ”a suprema garantia de que a lei é efetivamente o desejo de pai, de que temos certeza disso e de que existe uma glória do pai, um falo absoluto”. O ressentimento e a vingança do pai são esse falo supremo, o grande Φ. “Já que fui decepcionada em meu apego por ti, meu pai, e que eu mesma não posso ser tua mulher submissa nem teu objeto, é Ela que será minha Dama, e, quanto a mim, serei aquele que sustenta, que cria a relação idealizada com o que foi repelido de mim mesma, como o que, de meu ser de mulher, é insuficiência”. Segundo Lacan, trata-se de dar o que não se tem, o Falo.
E continua: “É tudo isso, toda essa cena, que chega ao olhar do pai naquele simples encontro na ponte. E essa cena, que tudo ganhara pelo assentimento do sujeito, perde todo o seu valor, no entanto, com a desaprovação sentida naquele olhar.” Produz-se o que se chama de “embaraço supremo”.
A passagem ao ato tem duas condições essenciais:
- a identificação do sujeito com o a ao qual ele se reduz. É o que sucede com a moça no momento do encontro; se o suicídio tivesse se consumado, poderíamos dizer que a identificação teria sido absoluta;
- o confronto do desejo com a lei. “Aqui trata-se do confronto do desejo pelo pai, sobre o qual se constrói toda a conduta dela, com a lei que se faz presente no olhar do pai. É através disso que ela se sente definitivamente identificada com o a e, ao mesmo tempo, rejeitada, afastada, fora da cena. E isso, somente o abandonar-se, o deixar-se cair, pode realizar.".
Lacan diz, sobre o caso da jovem: “se a tentativa de suicídio é uma passagem ao ato, toda a aventura com a dama de reputação duvidosa, que é elevada à função de objeto supremo, é um acting-out.”.
Acrescenta Roberto Harari que na tentativa de suicídio houve uma passagem ao ato sucedida – e não apenas precedida, por um acting-out. Afirma ter sido significativo o fato de a jovem ter sido levada à análise depois de sua tentativa de suicídio: “Adiante disso, torna-se necessário pensar que havia também uma condição mostrativa e indutora em jogo. De modo que ali existem também as condições para o desdobramento do acting-out.”. Ensina que no acting-out torna-se presente o objeto a, colocado de forma efetiva, em uma cena montada para que seja possível sua aparição. E ainda: “O acting-out é uma mensagem para o Outro, uma sacudida na posição do analista, para que este acorde, para que olhe o que não pode escutar. A mostração própria deste tipo de ação é indutora, desafiante, agressiva.”. “O acting-out é uma transferência selvagem, no sentido de que questiona e aniquila o lugar do sujeito em um grau muito maior que o sintoma.”.

Rui Barbosa Júnior

Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e no homossexualismo


09mai2008.
Resumo do texto:
ALGUNS MECANISMOS NEURÓTICOS NO CIÚME, NA PARANÓIA E NO HOMOSSEXUALISMO – 1922 – Vol. XVIII, pág. 271 a 281 - Ed. Standard Brasileira.

Seminário: O caso da jovem homossexual. Coordenação: Ângela Porto.


A
O ciúme é um estado emocional, que juntamente com o luto, podem ser considerados como normais. Quando a pessoa diz não possuí-lo, inferimos que esse conteúdo sofreu severo recalque, e que este movimenta ainda mais sua vida mental inconsciente. Os exemplos de ciúmes que se manifestam de forma anormalmente intensos na clínica apresentam-se em três graus: (1) competitivo ou normal, (2) projetado, e (3) delirante.

1. O ciúme competitivo ou normal se compõe essencialmente: “do pesar, do sofrimento causado pelo pensamento de perder o objeto amado, e da ferida narcísica; de sentimentos de inimizade contra o rival bem sucedido, e de maior ou menor quantidade de autocrítica, que procura responsabilizar seu próprio eu pela perda sofrida”. Apesar de podermos considerar esse ciúme de normal, não podemos considerá-lo como racional, como conseqüência de circunstâncias reais, nem de que está sob controle do eu. Esse conteúdo encontra-se profundamente enraizado no inconsciente, por se relacionar com as primeiras manifestações da vida emocional da criança, e originar-se do complexo de Édipo, ou de irmã-e-irmão do primeiro período sexual. É relevante ressaltar que em algumas pessoas, “esse ciúme é experimentado bissexualmente: um homem pode não apenas sofrer pela mulher que ama e odiar seu rival, mas também poderá sentir pesar pelo homem, a quem ama inconscientemente, e ódio pela mulher, como sua rival”. Esse último conjunto de sentimentos inconscientes intensificará seu ciúme, e estarão diretamente ligados a história libinal particular do indivíduo.

2. “O ciúme projetado deriva-se tanto nos homens quanto nas mulheres, de sua própria infidelidade concreta na vida real ou de impulsos no sentido dela que sucumbiram ao recalque”. Por falta de recursos simbólicos de lidar com o sentimento do ciúme, o recalque entra como defesa contra ele. Na realidade cotidiana, a fidelidade, principalmente a exigida pelo casamento, só se mantém em face de tentações contínuas. “Qualquer pessoa que negue essa tentação em si própria sentirá uma forte pressão, e ficará satisfeita em utilizar um mecanismo inconsciente para aliviar sua situação”. Para obter esse alívio, a absolvição de sua consciência, projeta seus próprios impulsos recalcados à infidelidade no companheiro a quem deve fidelidade. Assim pode então fazer uso do sentimento de infidelidade, recalcado em si mesmo e projetado no companheiro, justificando com a reflexão de que o outro provavelmente não é tão bom quanto ele próprio.
As convenções sociais perceberam essa questão da projeção de infidelidade no outro, a consideraram uma questão universal, e “concederam certa amplitude ao desejo de atrair da mulher casada e à sede de conquistas do homem casado, na esperança de que essa inevitável tendência à infidelidade encontrasse assim uma válvula de escape e se tornasse inócua”, isto é, o sentimento de sentir-se desejada e desejar atrair fazem parte do contexto social. E quando um dos parceiros se percebe nessa rede de sentimentos, a própria satisfação percebida no desejo despertado no outro, o faz retornar à fidelidade ao objeto original. “Uma pessoa ciumenta, contudo, não reconhece essa convenção de tolerância; não acredita existirem coisas como interrupção ou retorno, uma vez que o caminho tenha sido trilhado, nem crê que um flerte possa ser salvaguarda contra a infidelidade real”. Na clínica de uma pessoa ciumenta nesses moldes, que possui um caráter quase delirante, deve-se abster da discussão do material em que se baseiam suas suspeitas e sim visar levá-la a encarar o trabalho analítico de exposições das fantasias inconscientes da sua própria infidelidade.

3. A pior posição em relação ao ciúme é o tipo delirante verdadeiro. Este também tem sua origem em impulsos recalcados no sentido da infidelidade, mas o objeto, nesses casos, é do mesmo sexo do sujeito. O ciúme delirante é o que resta de um homossexualismo que cumpriu seu curso e corretamente toma sua posição entre as formas clássicas da paranóia. Como tentativa de defesa contra um forte impulso homossexual indevido, ele pode, no homem, ser descrito pela fórmula: ‘Eu não o amo; é ela que o ama!’. Num caso delirante estão presentes as três formas do ciúme.

B

Paranóia – Os casos de paranóia geralmente não são sensíveis à análise, por razões bem conhecidas.

Os que sofrem de paranóia persecutória não conseguem encarar nada em outras pessoas como indiferentes e tomam indicações insignificantes que essas outras pessoas desconhecidas lhes apresentam e as utilizam em seus delírios de referência. O significado de seu delírio de referência é que espera de todos os estranhos algo semelhante ao amor, isto é, algo onde ele possa vislumbrar algum enlace. No entanto essas pessoas não lhes demonstram nada desse tipo, porque são estranhas a ele e realmente não se encontram em relação com o mesmo. E o paranóico entende essa indiferença do estranho como ódio, em contraste com sua reivindicação de amor.

No caso dos paranóicos ciumentos e dos persecutórios, eles não projetam exteriormente para os outros, o que não desejam reconhecer em si próprios. “Eles se deixam guiar por seu conhecimento do inconsciente e deslocam para as mentes inconscientes dos outros a atenção que afastaram da sua própria”. Ficam a mercê do inconsciente (inconsciente a céu aberto). Os paranóicos não utilizam o mecanismo do recalque, e da projeção. Estão fundidos ao objeto, portanto não possuem a capacidade de expulsar, no caso a infidelidade, de si próprios e projetá-las no outro. “Podemos inferir que a inimizade vista nos outros pelo paranóico perseguido é o reflexo de seus próprios impulsos hostis contra eles. Sabendo que, no paranóico, é exatamente a pessoa mais amada de seu próprio sexo que se torna seu perseguidor, surge a questão de saber onde essa inversão de afeto se origina”. A resposta está na sempre presente ambivalência de sentimento que fornece-lhe a fonte e a não realização de sua reivindicação de amor, isto é, como está fundido ao outro, é o próprio alvo de seu amor, ou de seu ódio.

C

Homossexualismo – O processo psíquico típico vinculado à origem do homossexualismo foi descritos no Cap. III do estudo sobre Leonardo em 1910. Neste texto Freud nos diz que as teorias sexuais infantis procuram explicar uma face do homossexualismo. Esta estaria ligada a fase pré-edípica, quando o menino começa ter curiosidade pelo sexo. Fica interessado em seu próprio genital considerando-o valiosíssimo, e crê que todos os seres humanos o possuem. Nesta época então, o genital masculino é compatível com a imagem da mãe. Este conceito é tão marcante que não desaparece nem mesmo quando da primeira vez observa o genital das meninas. “Sua percepção mostra-lhe que há alguma coisa diferente do que ele possui, mas é incapaz de admitir que o conteúdo de sua percepção é que ele não pôde encontrar um pênis nas meninas. A sua falta é intolerável, então ele encontra outra explicação, de que as meninas também o possuem, só ainda é muito pequeno, e que depois ele crescerá. Mais tarde quando percebe que isso não acontecerá, encontra outra explicação, as meninas também tinham um pênis, mas ele foi cortado e em seu lugar ficou apenas uma ferida. Esse avanço teórico já implica experiências pessoais de caráter penoso: nesse intervalo o menino já terá ouvido ameaças de lhe cortarem o órgão que tanto preza, caso venha a demonstrar um interesse demasiadamente ostensivo por ele. Sob a influência dessa ameaça de castração, ele agora interpreta de modo diferente o conhecimento adquirido sobre genitais femininos; daí em diante receará por sua masculinidade, ao mesmo tempo, menosprezará as infelizes criaturas que já receberam o cruel castigo, conforme presume”. Pág. 88. Vol. XI.

Com esse cenário de pano de fundo os mecanismos que contribuem para o resultado do homossexualismo seriam:

1. Uma forte fixação na mãe, o que dificultaria o jovem de passar para uma outra mulher. A identificação com a mãe é resultado dessa fixação, o que permite ao filho permanecer fiel à ela que foi seu primeiro objeto. O menino se identifica com a mãe que deseja um homem.

2. Uma inclinação à escolha narcísica. O menino recalca seu amor pela mãe em função da decepção causada pela incapacidade de tolerar a ausência do pênis em seu objeto amoroso. A depreciação das mulheres, a aversão e até mesmo o horror a elas derivam-se desse precoce desapontamento. O menino então se coloca no lugar da mãe; identificando-se com ela, e toma a si próprio como modelo a que devem se assemelhar os novos objetos de seu amor. O que de fato ocorreu foi um retorno ao auto-erotismo, pois os meninos que ele agora ama à medida que cresce, são apenas, figuras substitutas e lembranças de si próprio. O menino se identifica com a mãe que ama meninos à sua semelhança.

3. Uma consideração excessiva pelo pai, ou o medo dele, porque a renúncia às mulheres significa que toda a rivalidade com aquele (ou com todos os homens que podem tomar seu lugar) é evitada. O menino ama a seu pai, recalcando a rivalidade e renunciando às mulheres.

“Os dois últimos motivos – o apego à condição de existência de um pênis no objeto, bem como o afastamento em favor do pai – podem ser atribuídos ao complexo de castração. A ligação à mãe, o narcisismo, o medo de castração são os fatores (que, incidentalmente, nada têm em si de especial) que até o presente encontramos na etiologia psíquica do homossexualismo; com eles é preciso efetuar o efeito da sedução, responsável por uma fixação prematura da libido, bem como a influência do fator orgânico que favorece o papel passivo no amor.”

4. Um quarto mecanismo seria desenvolvido durante a primeira infância, quando o menino sente ciúmes da mãe em relação aos seus rivais (irmãos mais velhos), provocando nele uma atitude excessivamente hostil e agressiva para com esses irmãos, às vezes atingindo a intensidade de desejos reais de morte. Diante da impotência de lidar com esses sentimentos, esses impulsos são recalcados e se transformam, de modo que os rivais passam a ser objetos amorosos. Esse novo mecanismo se distingue dos demais pelo fato da mudança efetuar-se em um período mais precoce e a identificação com a mãe retroceder para o segundo plano. Esse mecanismo leva apenas a atitudes homossexuais que não excluem a heterossexualidade e não envolvem o horror à mulher.

Essa transformação do ódio ao rival em objetos amorosos conduz ao surgimento das pulsões sociais no indivíduo. “Há primeiro a presença de impulsos ciumentos e hostis que não podem conseguir satisfação, e tanto os sentimentos afetuosos quanto os sentimentos sociais de identificação surgem como formações reativas contra os impulsos agressivos recalcados.”

Enquanto os homens encaram os outros homens como rivais, os homossexuais os vêm como objetos potenciais amorosos. Os homens mantêm o sentimento de rivalidade e ciúme, enquanto os homossexuais o recalcam e o transformam em amor. Por isso percebe-se que muitos homossexuais se caracterizam por um desenvolvimento especial de seus impulsos sociais, mostrando uma vinculação clara entre a homossexualidade e o sentimento social.

“À luz da psicanálise, estamos acostumados a considerar o sentimento social como uma sublimação de atitudes homossexuais para com os objetos. Nos homossexuais com acentuados interesses sociais pareceria que o desligamento social da escolha de objeto não foi inteiramente efetuado”.

Simone Caporali Ribeiro

segunda-feira, 28 de abril de 2008

“Que te parece que pretendemos fazer quando falamos”?

No seminário “A jovem Homossexual” discutimos a questão da mentira o que suscitou uma reflexão sobre o tema “sujeito e linguagem”. Em torno desse tema, apresento nessa ata um resumo? de dois textos, que a todo instante escapavam a minha esforçada? ou arrogante? tentativa de resumi-los. Vamos, então, apresentar um esforço de resumo do qual só me resta deixar para lá, palavras, nesse claro-escuro de onde lemos, escrevemos, falamos e também resumimos.

Em “Sujeito e Linguagem”, capítulo do Livro A Escrita do Analista, Ana Maria Portugal reflete sobre o tema psicanálise e linguagem. Ana Portugal propõe pensar o “sujeito como um lugar, um lugar vazio, visto que a estrutura do mundo semântico, no qual a fala se institui como tal, estabelece lugares de direcionamento da massa significante, entre os quais o do sujeito.”. Enquanto lugar lógico, o sujeito diz sempre além ou aquém do que sabe ou quer dizer. “A palavra se manifesta de través, à revelia do sujeito”. Disso, percebe-se que através da palavra o sujeito tanto se torna presente quanto deflagra sua divisão. Sobre essa divisão destacam-se(entre as funções sintomáticas da palavras) a ambigüidade, o erro e o equívoco que com correspondem à condensação, recalque, negação. “ As três funções, bem como as três operações, suportam o sujeito em sua divisão: O recalque como fundador, a condensação como formação substituta do recalcado e a negação como tentativa de superar as condições de inacessibilidade do recalcado. O erro é um exemplo interessante para mostrar essa divisão na medida em que a mesma é mascarada. O sujeito quando erra não sabe que está errando, isto é, o erro não se apresenta como tropeço, a não ser quando a “a falha aparece ou alguém aponta. Com isso o erro mostra uma divisão muito bem feita, que separa mesmo uma parte, da qual o sujeito não quer saber”.A negação(suspensão lógica do recalque) por sua vez presentifica a divisão, “que aponta o sujeito como padecendo do campo do Outro, mas não disposto a aceitar, sem corte, essa sujeição” .A condensação que aponta para a ambigüidade de sentidos quando falamos “opera, paradoxalmente, também no sentido da divisão, da separação”.
Assim diante desse sujeito que tropeça, ou melhor, que “é um resto, um tropeço”, surge a pergunta sobre a verdade. “ A linguagem é aí questionada como o campo da suposição,da conjectura, da mentira”. É interessante sublinhar que esse registro tanto do erro como também do desconhecimento e da negação, no qual se encontra o discurso psicanalítico, aponta para a dimensão da verdade. Ana Portugal, apresenta a seguinte passagem de Lacan a esse respeito:“A palavra pode ser enganadora. Ora, por si só, o signo só pode se apresentar e sustentar na dimensão da verdade. Porque, por ser enganadora, a palavra se afirma como verdadeira. Isso para aquele que escuta. Para aquele que diz, o próprio engano exige o apoio da verdade que se trata de dissimular, e à medida que a palavra se desenvolve,supõe um verdadeiro aprofundamento da verdade, à qual ela responde”. Vale a pena ressaltar que essa relação do sujeito com a verdade vai apontar também para o desmentido e a rejeição(forclusão). Mas também com o jogo. Essa concepção de jogo para a psicanálise vai em direção contrária a de Wittgenstein, na medida em que “Freud ousa fazer pensar que o inconsciente não se reduz a uma pragmática, a uma forma de vida, que o homem não é usuário de seu inconsciente, e tampouco gerente de uma psique forma de vida. Há com a sexualidade e com o Outro uma relação de ‘equivocidade estrutural’, um fora-de-jogo, ao qual Freud confere um status com a noção de recalque primário, no qual se dá a fixação e a exclusão simultâneas do ‘representante psíquico da pulsão’.Tal é a lei com a qual o sujeito tem de se haver, lei que exclui o saber como todo, e instala a divisão, que sempre pesará sobre seus ombros, impelindo-o a lidar com isso, produzindo invenções”.


No capítulo “A Função significante da palavra: Lacan e Santo Agostinho” do livro Palavra e Verdade, Garcia-Roza nos apresenta a concepção agostiniana sobre a relação entre palavra e verdade. “ Para Santo Agostinho, a verdade não habita a palavra. Não é a palavra, enquanto verdade exterior, que produz a verdade. Esta, através da nossa interioridade, é que possibilita a palavra.(...).Mas, ao articular a palavra com a interioridade e com a verdade, Agostinho remete-a também simultaneamente ao registro do erro, do equívoco, da mentira. E é por referência a esse registro que podemos situar a questão do sujeito. É isto que interessa particularmente a Lacan em sua análise. É porque o outro é capaz de mentir, que sei que estou em presença de um sujeito. Se dois interlocutores fossem impedidos de mentir, de enganar, de ocultar, se fossem obrigados por alguma força superior a dizer ‘apenas a verdade e nada mais que a verdade, não poderíamos, a rigor, falar de relação intersubjetiva, a subjetividade cederia lugar à objetividade plena. O ‘minto, logo sou’ ou o ‘equivoco-me, logo sou’, são antecipações legítimas do cogito, ergo sum de Descartes. (...). Segundo Lacan, dizer que a verdade habita a interioridade do sujeito não significa eliminar o fato de que a palavra se instaura e se desloca na dimensão da verdade, mas sim que em presença das palavras não sabemos se elas são verdadeiras ou não;elas estão também inevitavelmente situadas no registro do erro, da equivocação, da mentira. Daí o título do segundo capítulo do De Magistro. “ Que os signos não servem de nada para aprender”. O signo é enganador, diz Agostinho, porque não mantém nenhuma relação natural com a coisa. A função significante da palavra não se faz pela relação que ela possa ter com a coisa significada, mas sim pela relação que ela tem com as outras palavras. Assim, diz Lacan, ‘a linguagem só é concebível como uma rede, um teia sobre o conjunto das coisas, sobre a totalidade do real. Ela inscreve no plano do real esse outro plano a que chamamos aqui o plano simbólico’. Tomados um a um, a relação do significante e do significado é inteiramente arbitrária. A razão pela qual as coisas têm o nome que têm não está na coisa nem no signo considerado isoladamente, mas nas definições, isto é, nas relações entre os signos. Como as definições são equívocas e enganadoras, a verdade só pode ser encontrada fora da linguagem: na interioridade do sujeito. É a interioridade que sustenta a verdade do signo”.
Segundo Garcia-Roza, a psicanálise instituindo um novo caminho, a via da verdade que percorre a psicanálise, é aquele “caminho das equivocações, lapsos, ambigüidades da palavra. É aí que habita a verdade do desejo, é por aí que o inconsciente faz suas irrupções, e é também que se inscrevem a condensação(Verdichtung), o recalcamento(Verdrängung) e a denegação(Verneinung).(...) É por percorrer os caminhos da Verdichtung, da Verdrängung, e da Verneinung, que a psicanálise tem como regra fundamental a associação livre, procedimento que permitirá o rastreamento das múltiplas determinações do sentido. Freud recupera, assim a via da opinião que havia sido rejeitada pelo discurso conceitual, e o faz não no sentido de opô-la à via da verdade, mas no sentido de mostrar que verdade e erro não são excludentes, posto que é precisamente na dimensão do erro e do equívoco que a verdade faz sua emergência”.
Cleide Scarlatelli

domingo, 27 de abril de 2008

A mulher não existe!? Como, então, definí-la?


Tem-se tentado definir a mulher das mais variadas formas, pelos mais variados saberes que circulam por esse nosso mundo. Os poetas, então... os escritores, os psicólogos, os sexólogos... A psicanálise mesma originou-se dessa tentativa de saber a respeito das histéricas, que foram as primeiras pacientes de Freud.
A mulher, na obra de Sigmund Freud, foi o ponto de partida para a criação da psicanálise, permanecendo aí como uma incógnita que a própria teoria a que deu lugar não conseguiu abarcar; aquele, então, novo saber não deu conta de apreendê-la, mas se constituiu como saber, criou-se como ciência, deixando sempre um resto que escapa, propiciando que se avance em busca de novos significantes que venham responder as questões que se abrem a cada formulação. No final de sua obra, Freud teria confessado sua decepção e talvez tivesse exclamado:
“A mulher é indizível”.
Toda uma teoria criada a partir dela não conseguiu dizê-la.
Afinal, foi possível à psicanálise abordar a mulher justamente por meio da falta, do que permaneceu desconhecido, do que não foi dito. Não pelo que se sabe, se escreve, se teoriza, mas pelo que não se conseguiu dizer.
Lacan, alguns anos mais tarde, retomou a questão da mulher apontando exatamente para esse lugar da falta, daquilo que permanece indizível, indignando o mundo feminista com seu aforismo: A mulher não existe. As feministas levantaram bandeiras, as analistas mulheres recusaram e debateram tal afirmação. O não existir foi tomado e mal interpretado como desvalorizante e absurdo. Afinal, as mulheres estão aí para dizer que existem e que, cada vez mais, lutam por suas condições de existência.
Porém, a condição de existência no universo simbólico é fálica. As coisas se nomeiam. Nós dizemos O HOMEM para designar homens e mulheres.
Então, homem e mulher são uma questão de posição dentro de uma estrutura de linguagem. Qualquer tentativa de definição é ideológica. Portanto, arriscada a cair numa dualidade especular, fechada, intransitiva, viciada e asfixiante de uma referência imaginária
Gilda Vaz Rodrigues