quarta-feira, 14 de maio de 2008

Assim aconteceu. O pai passou por ela!


Seminário: “A jovem homossexual” - Ata de 9/5/2008

Assim aconteceu. O pai passou por ela, na rua, de olhar furioso para ela e sua companheira, de que, nessa época, vinha tomando conhecimento. Poucos momentos depois, ela atirou-se para dentro do corte ferroviário.

O recorte do texto freudiano descreve a tentativa de suicídio da jovem. Tentativa que, para Freud, aponta a realização de uma punição (autopunição) e a realização do desejo de ter um filho do pai. Presentes na cena estão a jovem, a Dama, o ódio do olhar do pai, a tentativa.
Lembra Daisy Justus que o estudo sobre o suicídio entrou na Psicanálise atravessado pela marca da vida cotidiana. “Quando em 1901 Freud escreveu a Psicopatologia da vida cotidiana, colocou-o sob o selo dos ‘equívocos’, ou seja, em parceria com os esquecimentos, os lapsos e os atos falhos, ‘onde o patológico se avizinha mais com o normal’. O equívoco torna transparente um ato pelo qual ‘o efeito falho parece constituir um elemento essencial’. O ato é ‘falho’ na medida em que há ‘não-conformidade à intenção, mas é vitorioso na medida em que uma outra idéia, dessa vez inconsciente, faz desviar a ação inicial’. "
Lacan, no Seminário 10 , considera o niederkommen, termo utilizado por Freud, essencial para o relacionamento súbito do sujeito com o que ele é como a. E diz: “não é à toa que o sujeito melancólico tem tamanha propensão, e sempre realizada com rapidez fulgurante, desconcertante, a se atirar pela janela. Com efeito, na medida em que nos lembra o limite entre a cena” (cena do Outro – onde o sujeito tem de se constituir) “e o mundo, a janela nos indica o que significa esse ato – o sujeito como que retorna à exclusão fundamental em que se sente”. É nesse momento desconcertante que se dá a conjunção do desejo com a lei.
Lacan afirma também não ter sido apenas um olhar irritado do pai motivo suficiente para produzir-se a passagem ao ato. É necessário chegar-se à estrutura da relação entre eles. Resumidamente, lembra que a jovem, decepcionada com o pai pelo nascimento do irmãozinho, empenhara-se em oferecer à sua Dama ”a suprema garantia de que a lei é efetivamente o desejo de pai, de que temos certeza disso e de que existe uma glória do pai, um falo absoluto”. O ressentimento e a vingança do pai são esse falo supremo, o grande Φ. “Já que fui decepcionada em meu apego por ti, meu pai, e que eu mesma não posso ser tua mulher submissa nem teu objeto, é Ela que será minha Dama, e, quanto a mim, serei aquele que sustenta, que cria a relação idealizada com o que foi repelido de mim mesma, como o que, de meu ser de mulher, é insuficiência”. Segundo Lacan, trata-se de dar o que não se tem, o Falo.
E continua: “É tudo isso, toda essa cena, que chega ao olhar do pai naquele simples encontro na ponte. E essa cena, que tudo ganhara pelo assentimento do sujeito, perde todo o seu valor, no entanto, com a desaprovação sentida naquele olhar.” Produz-se o que se chama de “embaraço supremo”.
A passagem ao ato tem duas condições essenciais:
- a identificação do sujeito com o a ao qual ele se reduz. É o que sucede com a moça no momento do encontro; se o suicídio tivesse se consumado, poderíamos dizer que a identificação teria sido absoluta;
- o confronto do desejo com a lei. “Aqui trata-se do confronto do desejo pelo pai, sobre o qual se constrói toda a conduta dela, com a lei que se faz presente no olhar do pai. É através disso que ela se sente definitivamente identificada com o a e, ao mesmo tempo, rejeitada, afastada, fora da cena. E isso, somente o abandonar-se, o deixar-se cair, pode realizar.".
Lacan diz, sobre o caso da jovem: “se a tentativa de suicídio é uma passagem ao ato, toda a aventura com a dama de reputação duvidosa, que é elevada à função de objeto supremo, é um acting-out.”.
Acrescenta Roberto Harari que na tentativa de suicídio houve uma passagem ao ato sucedida – e não apenas precedida, por um acting-out. Afirma ter sido significativo o fato de a jovem ter sido levada à análise depois de sua tentativa de suicídio: “Adiante disso, torna-se necessário pensar que havia também uma condição mostrativa e indutora em jogo. De modo que ali existem também as condições para o desdobramento do acting-out.”. Ensina que no acting-out torna-se presente o objeto a, colocado de forma efetiva, em uma cena montada para que seja possível sua aparição. E ainda: “O acting-out é uma mensagem para o Outro, uma sacudida na posição do analista, para que este acorde, para que olhe o que não pode escutar. A mostração própria deste tipo de ação é indutora, desafiante, agressiva.”. “O acting-out é uma transferência selvagem, no sentido de que questiona e aniquila o lugar do sujeito em um grau muito maior que o sintoma.”.

Rui Barbosa Júnior

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