domingo, 16 de março de 2008

Quando uma mulher ama outra....

SEMINÁRIO: A JOVEM HOMOSSEXUAL – Ata de 14/3/2008

Rui Barbosa Júnior

Ao se referir à homossexualidade de sua paciente, Freud explica o seguinte:

."..no exato período em que a jovem experimentava a revivescência de seu complexo de Édipo infantil, na puberdade, sofreu seu grande desapontamento. Tornou-se profundamente cônscia do desejo de possuir um filho, um filho homem; seu desejo de ter o filho de seu pai e uma imagem dele, na consciência ela não podia conhecer. Que sucedeu depois? Não foi ela quem teve o filho, mas sua rival inconscientemente odiada, a mãe. Furiosamente ressentida e amargurada, afastou-se completamente do pai e dos homens. Passado esse primeiro grande revés, abjurou de sua feminilidade e procurou outro objetivo para sua libido."

A propósito, no artigo "A violenta repetição do Édipo na adolescência: o caso de uma jovem homossexual",os autores esclarecem que a noção de violência, conforme o termo é empregado, se refere à “violência psíquica, vinculada à de trauma, e relativa a um excesso pulsional muitas vezes desencadeado pela própria entrada na puberdade, e que ultrapassa a capacidade de simbolização por parte do sujeito.”
Prosseguindo, Freud afirma que a jovem não só repudiou seu desejo de um filho, como o amor dos homens e o papel feminino em geral. Esse seria o único caminho a ser seguido por ela, mas o mais extremo: “ela se transformou em homem e tomou a mãe, em lugar do pai, como objeto de seu amor".
Thais Gontijo nos lembra que, de acordo com a doutrina do Édipo, a homossexualidade, como conseqüência da bissexualidade, existe em todos os heterossexuais. “Identificar-se ao pai e passar a amar posteriormente as mulheres como o pai ama a mãe denota uma passagem da rivalidade com a mãe para o amor pelas pessoas do mesmo sexo”. Acrescenta que essa visão tem sido defendida por alguns até hoje.
Em seguida, a autora traduz as palavras de Lacan no “Congresso sobre a Sexualidade Feminina”:
...a homossexualidade na mulher seria melhor definida se não passasse pelo apoio cômodo da identificação, tratando-se essencialmente de uma substituição de objeto: um desafio aceito. [...].A substituição parece vir acoplada ao desafio, característica muito presente na homossexualidade feminina e, às vezes, tão forte que a pessoa se dispõe a perder tudo, apenas para conseguir levar adiante seu desejo sexual. A figura paterna é extremamente desafiada no que diz respeito ao seu poder, talvez para demonstrar ao pai como se deve amar. Há, pelo menos, uma coisa que o pai tanto não pode quanto não sabe. Logo, o desafio tem sua origem em uma exigência de amor, situando o desejo como um desafio ao desejo paterno.
Os modos de configuração homossexual, entretanto, são tão diversos quanto na heterossexualidade, “incluindo-se aí o fator de sua diferenciação quanto a seu estatuto na neurose, na perversão ou na psicose”. No texto "A homossexualidade, a partir da lógica da sexuação",Serge André, coloca que uma via preferencial de acesso à questão homossexual na clínica seria a pergunta: Já que não há elemento comum entre as várias soluções, então “o homossexual” não existe?
Dizer-se ou ser dito homossexual, esclarece André, é um fato de discurso: “um fato de discurso é uma fala que [...] tem por função criar ou confirmar a existência, entre esses sujeitos, de um vínculo social.”.
As idéias aqui pinceladas nos levam a refletir sobre a complexidade da questão homossexual: qual sua gênese, quais seus reflexos no sujeito, quais suas implicações sociais? Como abordá-la eticamente em uma análise?



Freud, S. Psicogênese de um caso de homossexualidade feminina. (1920). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freu, pp. 169-170. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
Palmeira, C.G., Veloso Filho, C.L., Cardoso, M. R. A violenta repetição do Édipo na adolescência: o caso de uma jovem homossexual.
Gontijo, T. Quando uma mulher ama outra In Destinos da sexualidade, pp. 305-306. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
Melo, A. B, Naves, F.D., Azzi, I.C., Zago.L A homossexualidade a partir da lógica da sexuação In Destinos da sexualidade, p. 274. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

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