quarta-feira, 30 de julho de 2008

DE DORA A SIDONIE OU DA METÁFORA A METONIMIA


Heloisa Mamede Silva Gonzaga

Ao procurar as fontes que permitam retraçar uma história da homossexualidade através das eras, uma constatação impressiona o espírito curioso: a história da homossexualidade é a história da homossexualidade masculina. Na realidade, não se atribui importância à homossexualidade feminina,na medida em que o erotismo entre as mulheres não comporta os mesmos riscos-conscientes e inconscientes que o erotismo entre os homens. Convém, na verdade, se quisermos examinar essa questão com um pouco de seriedade e apuro, tomar como ponto de partida de nossa reflexão, o fato de que a homossexualidade feminina e a masculina não são simétricas. A dessimetria faz-se notar, primeiramente, no nível da relação com o pai.O homem homossexual cede todas as mulheres ao pai e assim se esquiva de qualquer conflito com ele, a mulher homossexual, por sua vez, ao abandonar todos os homens à mãe, só faz preparar o terreno onde se atribui a missão de enfrentar o pai no próprio campo de seu desejo. Serge André In: A Impostura Perversa
O que faz o dom é que um sujeito dá alguma coisa de uma maneira gratuita; na medida em que, por detrás do que ele dá, existe tudo o que lhe falta, é que o sujeito sacrifica para além daquilo que ele tem. Lacan: In: O Seminário a Relação de Objeto.
A estrutura histérica: A histérica tenta evitar a angústia decorrente da constatação da castração do Outro, mantendo a questão do recalque em constante funcionamento. Isso mostra que todos os sintomas histéricos giram em torno da questão da falta de um significante que um dia, ela crê, será encontrado, o que faz com que o sintoma seja sempre um demandar de encontrar a perfeição no Outro. Está, portanto, nessa procura de ideal de gozo e na reinvidicação da posse do falo, mostrando a insatisfação permanente em ter que estar em uma posição diferente da masculina.
A estrutura perversa: A questão da perversão liga-se a concepção que a criança tem de sua relação com a mãe. Para que a criança se identifique com o objeto de desejo da mãe, é necessário que a mãe a simbolize no falo. O interdito dessa relação entre o segundo e terceiro tempo do Édipo, produz uma frustração na criança e a privação da mãe perante a criança. Isso revela a criança que ela está submetida a uma lei que não é dela. No caso da perversão ocorre uma negação dessa lei, sendo a mãe a detentora do falo aquela que dita a lei ao pai. Em outras palavras a criança se mantém na identificação fálica.
A leitura do romance Sidonie Csillag: La joven homossexual de Freud de Inês Rieder e Diana Voigt, produz um estranhamento perante o amor de adoração da jovem Sidonie (Sidi) pela Dama (Leonie). Será que as mulheres são amadas, desse modo, quando se trata de um homem? Sidi era uma jovem protegida, sem experiências sexuais e apesar do meio mundano em que se encontrava com a Dama, permanecia intocável, inocente, sem nenhum saber sobre o desejo erótico. Queria, apenas, ser a única da Outra dentre todas as mulheres que a cortejam.
Sidonie pronto se da cuenta de que, probablemente, es la única persona femenina “correcta” em el entorno lascivo de su hermosa. Su amor es tan fuerte que en algún momento, se instalará en lo profundo del corazón de Leonie.
De que estrutura estamos falando? Seria essa passagem de ser a única e absoluta ao lado de Leonie, nessa recusa ao gozo sexual, uma posição de assujeitamento ao registro do imaginário como objeto falo que tampona a falta materna,objeto único do desejo do Outro? Ou seria o imperativo de se tornar o falo da Dama em uma posição masculina própria da estrutura histérica? Não ter o encargo do gozo é algo que a histérica se interroga colocando em julgamento a questão da função paterna e seus limites.
Tantas são as perguntas, tantas são as leituras que fazemos... quem sabe encontraremos algumas respostas na mãe sedutora ou no pai rico e poderoso?
A jovem homossexual: Um desvio na rota edipiana
Por que um desvio? Por ser uma perversão constituída na adolescência que não tem a garantia de uma estrutura perversa. Um olhar psicanalítico nos diz que a jovem se interessando por objetos de amor que dizem da feminilidade a saber mulheres em situação maternal, ou crianças, viveu o interdito da castração se colocando porem em uma posição histérica perante uma mãe fálica o que a levou a desejar ser reconhecida e amada em sua feminilidade pelo pai.
A mãe de Sidi era de grande beleza, coquette bastante assediada pelos homens, porém mantendo- os à distância, fazendo de sua imagem corporal, um falo. É nessa posição que expõe a sua feminilidade ao pai de Sidi, mostrando para o mesmo a sua fraqueza de não ser homem suficiente para ela. Sidi sempre fora preterida pela mãe que a mantinha distante do pai, além de se desmanchar em carinhos para com os três filhos homens. A rivalidade materna preservava o seu isolamento o que provavelmente a induziu mais tarde a buscar a figura materna em outras mulheres. O pai rico e poderoso era distante, exigente, rígido com a família e ao mesmo tempo fraco, bancando o homem em uma posição de passividade antes de tudo feminina, perante essa esposa sedutora. Freud nos mostra que é no desejo pelo pai, quando recalcado, que estaria a origem da histeria. A passividade da histérica perante o desejo do Outro, responderia, então, ao desejo de restaurar a figura paterna. Essa irrealização tem seu contraponto na fantasia de preencher a hiância constituída pela castração da mãe.
A mulher não existe, diz Lacan. Isso implica na inexistência de uma identidade propriamente feminina, ou seja, a ausência de um significante da feminilidade. A mulher identifica-se ao falo pela lógica de ser objeto de desejo, sendo o mais além dessa identificação, o reencontrar dos impasses da relação com o Outro materno e com o imperativo do gozo.
Dentro dessa lógica lacaniana a questão de Sidi seria afastar-se dos homens deixando-os para a mãe e/ou mostrar ao pai que queria ser amada por sua feminilidade além de um objeto desejável? Argumento que Sidi não queria ser desejada, mas sim encarnar o modelo de perfeição buscando o amor ideal. Não é essa sempre a procura da histérica, o amor total numa mistura de amor e desejo? Seria, então, a homossexualidade de Sidi aquela a que a histérica é conduzida por sua neurose ou a da posição perversa que a fazia se interessar por outra mulher experimentando um gozo inacessível ao homem? Na posição perversa a mulher sustenta que está em melhores condições do que o homem para fazer a outra mulher gozar. É verdade, que a introdução de Freud entre essas duas mulheres, correspondeu a inserção de uma figura masculina a qual a jovem ironizava e burlava contando seus encontros com a Dama como se fossem sonhos. Mas não seriam fantasias histéricas?
Para que possamos entender um pouco dessa posição homossexual feminina vamos introduzir os esquemas de Lacan referentes a esse caso:
A relação do sujeito com o Outro (Esquema Z):
Gênese do sujeito
S •.........................• a outro


(eu) a _____________ A (Outro) O Pai imaginário

a´________________a (Relação imaginária)
A (Outro)_______................S (inconsciente) (O sujeito recebe do Outro sua própria mensagem, sob a forma de uma palavra inconsciente)

A jovem homossexual: Criança_________________Dama real


Pai imaginário_________________ Pênis simbólico
O pai deixa de ser o pai simbólico introduzindo um real (dá um filho á mãe) e é nesse momento que ocorre o desvio da rota edipiana que se reeditava no tempo de latência, ou seja, o que estava articulado ao nível do Outro se articula em uma nova relação de maneira imaginária, passando o pai ao nível do imaginário o que segundo Lacan: é por essa razão e não por outra que isso vai resultar numa perversão. Podemos então colocar a relação da jovem em uma dupla torção a primeira em uma estrutura histérica constituída na via da castração e a segunda em uma inversão onde ela se torna o pai imaginário conservando seu pênis.
Essa torção nos remete ao caso Dora uma jovem paciente de Freud e a Violette e Rose as duas homossexuais pacientes de Serge André, caso citado em Impostura Perversa.
Vejamos o par parental no caso Dora: o pai é citado por Lacan como impotente, e amante da sra. K casada com o sr. K. A mãe está ausente da situação ao contrário do falicismo da mãe da jovem homossexual. Dora protege os encontros do pai com a dama (senhora K). A Dama (senhora K) é a confidente de Dora. Ao longo do caso fica evidente que a senhora K é a questão de Dora que se apega na posição histérica à pergunta o que é uma mulher?Ou o que meu pai ama nessa mulher além do que eu tenho? Lacan esquematiza assim o caso Dora:
Senhora K___________________sr. K (com quem Dora se identifica)
A questão


Dora______________________Pai (permanece o Outro por excelência)
Dora e Sidonie: Sidonie envia ao seu pai uma mensagem metonímica: ou seja mostra ao seu pai que se pode amar alguém (a dama) não apenas pelo o que a pessoa tem, mas também pelo que não tem, ou seja o pênis simbólico que no seu pai se encontra porque não é impotente. Quanto a Dora a sua implicação neurótica é metafórica por se colocar como sujeito em uma cadeia de um número determinado de significantes, presa em uma teia onde não sabe se situar.
Será que podemos contrapor Violette (estrutura perversa), e Sidonie (A jovem homossexual) a Dora e Rose (estruturas histéricas)?
O par parental de Rose (estrutura histérica segundo Serge André): a mãe de singular beleza sedutora, assiduamente cobiçada pelos homens, fazendo comparações ofensivas para a filha afim de se conservar o falo. O pai machão, fracassado, bancando o homem em uma posição feminina. Estamos falando de Rose ou Sidonie?
O par parental de Violette (estrutura perversa): a mãe figura apagada sem contato social, o pai tirano doméstico, e machão. Violette se apresentava dizendo que desde pequena gostava de fazer coisas de sexo Tenho a impressão de ter sido prostituta desde sempre. Segundo André: Violette apresentava uma inversão não apenas ao nível da escolha de objeto (objeto de desejo e não de amor), mas também ao nível da identificação sexual.
Onde colocar a jovem homossexual? Ou melhor onde colocar o nome do Pai nessas quatro estruturas?
Lacan pergunta O que é um pai? Um pai segundo ele é um sintoma. Nessa vertente ele coloca duas versões a versão pai, a père-version paterna, e a outra que poderíamos dizer não paterna. Então temos o Pai, ou seja o sintoma Pai e os outros não pela via do sintoma, mas que podem ser genitores. Existe, portanto uma diferença entre o Pai e o Homem. Essa diferença é básica no Édipo relacionando-se com a frustração e a privação quando no interdito aparece a mulher não toda para um homem específico. Para Lacan o Pai é aquele que faz uma mulher o objeto a que causa seu desejo. A metáfora paterna faz do desejo da mãe a precondição e a mediação necessária à função do Nome-do-Pai. Esse sintoma pai é o sintoma que podemos chamar de função paterna e Lacan o redefiniu em termos de modulação borromeana entre o pai real, simbólico e imaginário.
Sendo a metáfora paterna única o que devemos observar é como cada uma das jovens vive a sua própria feminilidade perante essa metáfora.
Podemos dizer que existe nessa exigência do olhar do Pai e para o Pai que a jovem homossexual tinha quando acompanhada pela Dama uma demanda do significante faltoso que a faria mulher. Quanto a Dora podemos dizer desse duplo, tão comum na clínica da histérica, do pai sedutor dizendo que o pai real existe, isto é que ele tem a chave do gozo e também o Pai simbólico do Édipo como o pai impotente para manter as promessas de desejo.
O pai de Rose e o pai de Violette se situa como o pai primevo que goza ou tenta gozar de todas as mulheres, incluindo o desejo incestuoso em relação às filhas, significando a inexistência do pai edipiano. Para que o pai edipiano se apresente é necessário que o pai primevo esteja morto.
Como vemos marcados pela estrutura clínica cada caso traz a marca da singularidade. Ressaltamos que a homossexualidade não se achava inscrita na fantasia da jovem homossexual, tornando-se posteriormente um acessório. Em Violette não havia a idealização da mulher de ser o falo, mas sim de tê-lo. Rose mascarava seu desejo reinvidicando o amor absoluto, quanto a Dora sabe que o amor existe, mas não sabe onde ele está. (Lacan: In: Relação de Objeto).
Termino, citando Serge André: É importante distinguir pelo menos duas maneiras de alguém ser e se dizer homossexual: a maneira histérica e a maneira perversa. A homossexualidade não pode ser tomada por uma estrutura, nem sequer por uma unidade clínica, ainda que do ponto de vista social, jurídico ou moral, possa receber essa unidade.
Heloísa Mamede Silva Gonzaga
Referências
Freud, S. A Psicogênese de um Caso de Homossexualismo numa Mulher. ESB, vol. XVIII, Rio de Janeiro, ed. Imago, 1996.
Lacan, J. Seminário Mais Ainda. Rio de Janeiro, ed. Jorge Zahar, 1985.
Lacan, J. Seminário A Relação de Objeto. Rio de Janeiro, ed. Jorge Zahar, 1995.
André, S. Duas homossexuais. In: A Impostura Perversa. Rio de Janeiro, ed. Jorge Zahar, 1995.