segunda-feira, 23 de junho de 2008

Père-version: Única escolha possível para a jovem homossexual de Freud?




Maria Barcelos de Carvalho Coelho

Sabemos pelos textos de Freud, “A organização genital infantil” (1923), “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos” (1925) que, quando a menina se vê privada do pênis ela terá que se haver com as decepções decorrentes desta falta real em sua anatomia.Mais tarde Lacan introduz a complexidade das relações objetais inevitáveis à constituição do sujeito, neste caso, o sujeito feminino. Seria então através das fantasias sexuais em torno de sua castração (dívida simbólica) que a menina terá que atravessar um longo percurso até se introduzir, retroativamente, no Complexo de Édipo _ processo este, que,diferentemente dos meninos_ ela terá dificuldades de sair.
É nesse momento que vemos operar um outro conceito em Lacan que irá nos permitir compreender como a demanda de amor (como dom), é um elemento central para inscrever a significação fálica na mulher. Seria pois, no cerne da dialética da frustração que a mulher ascenderia a seu status de sujeito,(...) condição necessária ao estabelecimento dessa ordem simbolizada do real onde poderá por exemplo, instaurar como existentes e admitidas certas privações permanentes.

Para Lacan o caso da “Jovem homossexual” é emblemático para falar de uma certa particularidade na escolha amorosa de cada mulher. Traz como elemento desencadeador dessa história, o amor/ódio contido tanto na moça como provavelmente em seu pai. Mas, o mais surpreendente é que esse afeto ambíguo, estendido até à análise da jovem através da transferência, não faz surgir o acesso ao Outro_ aquele terceiro elemento através do qual o inconsciente se mostra com toda sua verdade. Verdade que pode conter também o engodo de certas “mentiras” veladas. Segundo Lacan, a “jovem” repete com Freud todo jogo de “contra malogro” que fizera com seu pai ao passear com a dama em frente à janela de sua casa. Jogo cruel no qual Freud se prende imaginariamente, não percebendo que em seus sonhos, ( da moça) mesmo que sejam mentirosos, havia desejo e não a intensão de engana-lo como supunha ele. Tanto na vida como na análise a “jovem” tem sonhos de ter filhos e se casar. Pelo relato de sua biografia sabemos que Sidonie, para ganhar a vida, ocupa-se de crianças, cuidando-as, como preceptora. Mas nesta história, quem seria a criança afinal? Quando digo criança refiro-me àquele traço inconsciente fixado na pré-história do sujeito do qual Lacan fala mas nos deixa um pouco na sombra: Uma fixação perversa estrutural ou uma père-version _ condição subjetiva que teria na particularidade de cada história de amor de uma filha à seu pai a pre- moldagem de sua escolha objetal amorosa. Lacan nos aponta neste caso uma perversão reativa, tardia, vindo à tona pelo nascimento de um irmãozinho temporão. (...) os homossexuais, com efeito, contrariamente do que se poderia acreditar, mas como a análise fez ver, são sujeitos que fizeram num certo momento uma fixação paterna muito forte. No caso da “jovem”, porém, percebemos que é justamente a frustração frente à decepção quanto ao amor de seu pai_ quando este lhe nega o filho e também o acolhimento à sua paixão à dama_ que a faz, estranhamente ascender ao simbólico. Uma única escolha possível entraria aí neste registro pelo sinal de menos. E esta fatalidade insere a jovem na linguagem do amor. Um sujeito muito particular, tendo como inscrição simbólica um acontecimento real_ o nascimento de uma criança que não é dado à ela mas a alguém que lhe é muito próximo: sua própria mãe. E essa criança que cai- niederkommen -sendo ela mesma ou o irmãozinho, a conduz em direção ao amor às mulheres. (...) Se isso a sustentava na relação entre as mulheres, é que já estava instituída para ela a presença paterna como tal, o pai por excelência, o pai como fundamental, o pai que será sempre para ela toda espécie de homem que lhe dará um filho. ..

Amor cortês: idealização/ sublimação ou um modo masculino de amar

Vimos até aqui como a frustração fez emergir na história da “jovem” a criança latente que a habitava e como um fato real e aleatório _ um nascimento inesperado_ inverte a equação e a conduz ao amor. Perguntamo-nos agora: De que ordem é esse amor? Segundo Freud, um amor cortês.
Se partilhamos da idéia de que o objeto nas relações amorosas é o que há de mais evanescente e enigmático _ daí talvez uma das impossibilidade da relação sexual_ quem sabe possamos acreditar na sua legitimidade. Segundo Lacan este é um tipo de amor que pode se expandir, pois traz no seu âmago a instituição da falta na relação com o objeto O amor cortês é um amor que se exprime pela exaltação à dama, e esta particularidade de não satisfação é que eleva esse tipo de amor à seu mais alto grau de simbolização.Um amor männliche que segundo Lacan, Freud reserva ao registro da experiência masculina. No caso de Sidonie, que se inscreve na significação fálica pela via da negação, o que poderá esta oferecer à sua amada ou buscar nela? Levando em conta a má reputação da dama que provavelmente é investida de misteriosos atributos femininos, fálicos, só resta à jovem inventar um amor: o amor apaixonado do cavalheiro à sua amada dama. Lacan, colocando a questão do desejo para além da mulher nos traz uma solução ou, quem sabe, nos conduz a aprofundar o mistério.
(...)O reflexo da decepção fundamental nesse nível, sua passagem ao plano do amor cortês, a saída encontrada pelo sujeito neste registro amoroso coloca a questão de saber o que é na mulher, amado para além dela mesma (...) O que é, propriamente falando, desejado na mulher é justamente aquilo que lhe falta. (...)O que é buscado para além dela é o objeto central de toda a economia libidinal: o falo

Maria Barcelos de Carvalho Coelho

Referências bibliográficas:
LACAN, JACQUES. O seminário. livro 4: a relação de objeto. Jorge Zahar Editor; Rio de Janeiro: 1995
Belo- Horizonte, 18 de junho de 2008-06-18