segunda-feira, 31 de março de 2008

AS PAIXÕES DO SER: A PARTIR DE UM CASO FREUDIANO


Sonia Alberti escreveu:
RESUMO
Tomando o campo das paixões como uma das maneiras que o sujeito tem de se subtrair à falta estrutural do ser falante, esse texto de um lado as diferencia do desejo e, de outro, as articula na clínica psicanalítica, em particular, com um caso publicado por Sigmund Freud em 1920. Em sua análise, o texto se apóia nas contribuições teórico-clínicas de Jacques Lacan que, por sua vez, se baseia na tríade de Spinoza para aprofundar o tema da paixão: amor, ódio e ignorância.Em última
instância, trata-se de retomar um caso clínico de Freud, não tão conhecido como outros, e aprofundar questões muito atuais da clínica psicanalítica desse início do século XXI.
PALAVRAS-CHAVE:
Paixão e desejo; Amor – ódio; Ignorância; Jovem homossexual; Lacan e Spinoza.
Há três imensidões na teoria psicanalítica que jamais serão exploradas todas: as paixões, os afetos e o desejo. Trata-se de imensidões por terem, todos as três, um pé, ou mesmo meio corpo, no real. Uma via possível para alguma amarração entre elas é a ética. Uma outra é a da clínica, aliás, lugar privilegiado para o exercício da ética da psicanálise. Comecemos por distinguir o afeto. Ele “se conota numa certa posição do sujeito em relação ao ser”*1 – é uma das proposições de Jacques Lacan, retomadas em A ética da paixão, livro de Marcus André Vieira. Assim, o afeto é uma posição subjetiva que podemos verificar a partir da relação especificada por Lacan no Seminário XI, onde sujeito, ser e Outro são produtos de uma interseção: o conjunto do Outro e o conjunto do ser só estão dados porque interseccionam – já que não é possível afirmar o ser sem o Outro, nem tampouco o Outro toma qualquer consistência sem o ser, consistência como efeito de sujeito que, nessa interseção, tantas vezes se perde. O afeto surge como sofrimento – pathos – para o sujeito. Na neurose é efeito da falta, na demanda que ele endereça ao Outro. Seus paradigmas maiores são: a angústia (é claro) e a depressão (Alberti,1989). Ali onde quero algo do Outro, a resposta não vem e o vazio dessa resposta produz, no sujeito, um encontro com o ser que lhe causa horror (angústia), ou desânimo: ele fica des-animado,sem possibilidades de burlar o Outro. Uma outra saída, evidentemente, é a do desejo – ali onde o Outro não responde, o sujeito ainda pode assumir um outro tipo de posição em relação ao ser: a do desejo, eis em princípio o que acontece na psicanálise. De qualquer maneira, o que vemos, é que o afeto implica o vazio, a falta na demanda do sujeito endereçada ao Outro que faz o sujeito sofrer.A paixão não. Trata-se de um “apelo do sujeito na demanda visando o apagamento da falta” –
“tentativa de preencher o Outro imaginariamente”, dando-lhe uma consistência de ser, que lhe falta*2. Seguindo nossa trilha – o Seminário XI – podemos levantar a hipótese de que a paixão do ser pretende a união entre ser e Outro, união que, justamente, apaga qualquer possibilidade de que opere a descompletude no encontro de ambos os conjuntos. Lacan o chama de separação*3 :Enquanto o primeiro tempo se funda sobre a subestrutura da reunião, o segundo se funda sobre a subestrutura que chamamos interseção ou produto. Ela se situa,justamente, nessa mesma lúnula em que vocês encontram a forma da hiância, da borda. (...)
(...) Nós veremos como ela surge do recobrimento de duas faltas (Lacan, 1963-4, p.
238-9). Trata-se tanto da falta do Outro quanto de seu correlato no sujeito, a sua própria castração. Dito de outra forma e a partir de outra referência no ensino de Lacan (o grafo do desejo*4 ), as paixões do ser se inscrevem nas respostas do sujeito frente ao Che vuoi?, se dando na janela da fantasia. Conforme o grafo do desejo, a paixão relança a pergunta que o sujeito faz ao Outro para obter deste o ditado de seu destino e reatualiza a resposta fantasmática $ <> a (matema da fantasia: todas as relações do sujeito com o objeto a, segundo Jacques Lacan), na qual envolve o objeto que ela visa. Também aqui é preciso registrar uma distinção para com o desejo, que, no grafo, está à direita: ele não pergunta, não responde, mas decide sobre o sujeito, sobre o ser do sujeito, como corte.Não trataremos nem do desejo, nem do afeto, o texto que segue tem por objetivo examinar o tema a paixão à luz da psicanálise e servindo-se, para isso, de um caso clínico de Freud.Estados d‘alma antes de serem psiquiatrizados como fenômenos da desordem, as paixões do ser
determinam justamente o que há de mais vivo no pathos: amor, ódio e ignorância. É assim que Lacan faz referência, em vários pontos de seu ensino, a essa tríade que implica “a falta no Outro da fala”: se a falta-a-ser sustenta o amor enquanto demanda ao Outro, também o ódio e a ignorância são respostas do Outro que sempre é solicitado a completar o ser (cf. Lacan, 1958, p. 627). Amor, ódio e ignorância são paixões do ser falante. A busca mítica do outro como complemento sexual é sempre um engodo. É no debate em torno do ‘um’ de Aristófanes, lançado no diálogo de Platão, retomado por Freud em 1920a e rediscutido por Lacan na Transferência (Lacan, 1960-1), que se verifica a negação da falta estrutural. O parceiro no amor não é um complemento, pois a possibilidade da complementação está perdida desde sempre
pelo fato de que o sujeito não passa de um vivente sexual que se constitui pela falta, onde o amor é sempre um assujeitamento do desejo do sujeito ao desejo do Outro, razão do ódio seguir, tantas vezes, com sua sombra, todo amor (cf. idem, p. 628).
UM CASO DE SIGMUND FREUD
Senão vejamos, o caso de uma jovem de 18 anos (Freud, 1920), que aqui reescrevo com o objetivo de nele cernir a questão da paixão. Ela é trazida ao psicanalista a partir de uma queixa dos pais, ou mais precisamente, do pai que está muito preocupado. Trata-se de uma bela moça, esperta, de boa família que se apaixonara por uma mulher dez anos mais velha. Esta, segundo ainda o relato do pai, vive com uma amiga casada com quem se relaciona intimamente, tendo, ao mesmo tempo, casos amorosos soltos com um sem número de homens – levando, portanto, o que se conhece por uma vida bastante promíscua. A jovem não nega essa fama da Dama. Mas nenhuma proibição, nenhuma vigilância a impedem de aproveitar qualquer oportunidade de ficar perto da amada, descobrir todos seus movimentos quotidianos, aguardá-la por horas em frente ao portão ou na estação, enviar flores. Esse interesse da moça pela Dama empalideceu todos os outros interesses que ela tinha anteriormente, pois já não se ocupa mais, de forma alguma, com sua própria formação, com qualquer relacionamento
social, nem tampouco com quaisquer entretenimentos femininos e só mantém seu antigo contato com as amigas quando estas podem lhe ser úteis no relacionamento com a Dama e/ou quando pode trocar confidências com elas sobre sua paixão.
Os pais não sabem dizer até onde foram os carinhos, mas observam que ela não se preocupa nem um pouco com qualquer risco de vir a ser mal falada, que não mede esforços nem subterfúgios, para encontrar-se com a Dama e, finalmente, confessam buscar na psicanálise uma última tentativa de ver essa situação resolvida. Isso não dando certo, irão forçar um casamento para acabar com essa história.
Trata-se da “Jovem homossexual”, como Lacan a chamava, um caso que Freud descreveu em 1920,um exemplo paradigmático da clínica das paixões e paradigma de tantas outras questões: a homossexualidade na histeria, a clínica com adolescentes, as entrevistas preliminares, a tentativa de suicídio, a clínica do ato...Com efeito, foi, como se sabe, o olhar de ódio, do pai, ao encontrar sua filha de mãos dadas com a Dama na rua, “olhar que não prenunciava nenhuma boa coisa”, que fez com que a moça se arrancasse da companhia da Dama, indo jogar-se por sobre o muro, na linha do bonde (cf. Freud, 1920). Esse olhar correspondia ao efeito que a homossexualidade da filha provocava no pai: “A homossexualidade da filha provocava uma profunda amargura” (idem, p. 268, nota), ele estava decidido a combatê-la com todos os remédios.
A mãe, como também se sabe, era jovem, ainda almejava impressionar por sua beleza. Conforme as palavras de Freud, não levava o fanatismo da filha para o lado trágico; ao contrário, já fora uma das confidentes da filha nas suas questões amorosas com a Dama e só se preocupava com o que a sociedade poderia achar disso. Sabemos como Freud o interpreta: a mãe leva a filha a desistir de seu lugar de mulher em favor da mãe; pois via na filha uma rival em seu anseio de ainda impressionar os homens, e via que sua filha se tornava também bela, ao mesmo tempo em que era mais jovem do que ela. Freud já havia observado que esta mãe era muito mais dura com a filha do que com seus filhos,aliás, era extremamente carinhosa com eles. Para a mãe, a escolha da homossexualidade da filharival seria bastante cômoda. A posição amorosa masculina, que Freud indica logo no início do caso, é a do erastes* na psicologia da vida amorosa. Ela implica:
1) a idealização do objeto (a Dama) – idealização que cegava a Jovem para qualquer atribuição de promiscuidade ao objeto amado;
2) a renúncia narcísica em prol do objeto – não media esforços, nem levava em conta qualquer obstáculo para gozar minutos de companhia da Dama, e;
3) a preferência do amar sobre o ser amado – as negativas constantes da Dama jamais abalaram a Jovem em sua paixão.
Esta posição amorosa masculina fundamenta-se, certamente em grande parte, na renúncia à posição feminina, na desistência em assumir o seu lugar de mulher em favor da mãe. Proponho agora interrompermos o relato dessa história clínica, que já conhecemos, para tentar obter dela algumas conseqüências sobre o tema em questão: as paixões do ser. Comecemos pelo ódio.
O ÓDIO
É interessante observar que o ódio, no caso, é fundamentalmente o ódio do [olhar do] pai em relação à atitude de sua filha. Esse pai é descrito por Freud como alguém “sério, respeitado”, mas, paradoxalmente, no fundo, como alguém bastante carinhoso, um pouco distanciado das crianças devido a uma rigidez adquirida (não inata). Mas “seu comportamento para com sua filha era por demais determinado pela consideração que tinha por sua mulher” (idem, p. 258, grifo meu), segundo o julgamento de Freud. Provavelmente, isso era causado, por um lado, pelo ciúme de sua esposa em relação à juventude de sua filha – conforme já comentamos – e, por outro lado, pela dificuldade que esse senhor tinha em lidar com a mulher – já que a sua própria é descrita como tendo sido neurótica por vários anos (idem, p. 259), sedutora e tão ciumenta em relação a ele, a ponto de ter ciúmes da própria filha. A interpretação que a Jovem homossexual faz da gravidez tardia dessa senhora – tal
como relatada na história clínica – só pode adquirir uma significação de traição do pai por causa do contexto específico em que a filha se encontrava. De qualquer maneira, o pai da Jovem homossexual se via entre duas mulheres – a esposa e a filha – diante das quais certamente se mostrava bastante embaraçado com a pergunta: O que quer uma mulher?
Por um lado, a esposa a responderia como neurótica, repetindo com o marido, na mais bela tradição freudiana, a cada vez que queria ter um filho, a relação edípica com o próprio pai na ilusão de ainda colmatar o Penisneid. De resto, era bastante poupada (sic) pelo marido*6 , sustentando o lugar de enigma que a mulher tem para atiçar o desejo de um homem, na medida em que, no fundo, não era a ele que ela queria, fixada como estava na constelação edípica. Por outro lado, a filha. Em sua escolha amorosa – e Freud é absolutamente categórico quanto a isso – ela se vinga do pai, por ter
sido traída por ele. Traída, sobretudo, como filha, já que seu pai – como ele o confessa textualmente–, praticamente não se relacionava com sua filha em consideração à sua mulher. Ora, a função paterna sustentada pelo Édipo, implica no investimento de desejo na relação do pai com a filha, e é aí que a Jovem homossexual se sente traída, o que se reatualiza no nascimento do irmão caçula, prova de que o pai – conhecedor da neurose da mãe, ou mesmo, da malvadeza da mãe em relação a
ela –, escolhe não assumir aquela vertente da função paterna – a do desejo em relação à filha –, por submeter sua relação com sua filha à determinação de sua mulher.
A Jovem homossexual passeia, de braços dados com a Dama, debaixo da janela do escritório de seu pai para atingi-lo em cheio; ela passeia para além da janela de sua fantasia que tem como única função colmatar a castração e assim o atinge em seu ser, vingando-se. Já tive a oportunidade, noutra ocasião – Alberti, 2000 –, de verificar o ódio como reação à mulher que aponta para o homem a sua castração. Na ocasião, falava da devastação em Nelson Rodrigues como reação do homem à mulher
que não é toda dele, simplesmente pela mulher ser não-toda referida ao falo. Aqui, ao contrário, quando a jovem interpreta que seu pai lhe diz: você não é nada para mim, é aí que ela lhe dá o troco e se atira por cima da linha do bonde, como diz Freud, para atacar mortalmente o objeto dela – ele. Aliás, é um pouco o que a Jovem homossexual também faz com Freud na transferência. Ele se esmera em lhe explicar uma referência teórica e ela, com ar blasê, reforca: “Ah! Mas isso é mesmo muito interessante!”
A IGNORÂNCIA
Freud não perde a ocasião, nesse texto, de se espantar frente à ignorância da própria vida amorosa que o sujeito pode demonstrar na clínica. No caso da Jovem homossexual, era tal o esforço por uma ignorância que o sujeito deixa absolutamente de lado qualquer investimento em outra coisa que não o amor pela Dama. Já na primeira entrevista, o pai se queixava de que ela deixara de lado a sua formação. Nota-se que há algo nessa queixa que está para além de uma simples inibição escolar. A incapacidade para aprender, estudar, prestar atenção, como inibição, é uma reação do eu frente ao conflito que se instala entre o isso e o supereu – os dois senhores aos quais o eu deve servir, conforme Inibição, sintoma e angústia (Freud, 1926). O eu, não dando conta disso, começa a antecipar imaginariamente as situações que julga perigosas e, a partir daí, acredita poder se precaver contra os conflitos que emanam da sua relação com a exigência daqueles dois senhores. Nada disso está em jogo aqui: a jovem, deliberadamente, não quer saber, faz tudo para não entrar em contato
com o saber. Para começar, ironiza as próprias intervenções de Freud: “Ah! Isso é mesmo muito interessante...!” (Freud, 1920, p. 272). Ao não querer saber, nossa Jovem já anunciava sua posição na lúnula da interseção dos dois conjuntos, entre ser e Outro que, mais tarde, iria ativar na passagem ao ato suicida, quando ela caiu como objeto da separação. O que a leva à paixão da ignorância é, em última instância, o não querer saber da castração, onde a ignorância é o apelo do sujeito na demanda, visando apagar a falta do Outro. Evidentemente, essa posição subjetiva da Jovem se devia a sua resistência que, como sabemos, também é do analista – para Freud, ainda era muito estranho, nessa época, não acreditar que a moça foi feita para o rapaz e vice-versa.Mas a ignorância, no caso, também associa-se a um outro ponto do relato de Freud nem sempre salientado: o da prática corriqueira da mentira, do uso de subterfúgios e a invenção de histórias que o pai já trouxera como queixa e que se confirma na transferência, quando a Jovem tentava fazer Freud acreditar em seus sonhos inventados, que atestavam uma cura milagrosa de sua homossexualidade. Eis a ignorância como falta com a verdade, como falta para com o Outro da
verdade, reforçando a escolha pela alienação (cf. Alberti,1996 [1999:61s]).
O AMOR
A ignorância da própria vida amorosa espanta Freud nesse texto, dela ele nos oferece alguns exemplos clínicos: mulheres deprimidas que não haviam se dado conta, antes da análise, do quanto influiu nesse estado uma relação passageira com um homem; ou homens que tiveram relações passageiras com mulheres e, só depois, descobrem seu amor por elas; as conseqüências jamais pressentidas de abortos induzidos artificialmente e cuja decisão parecera tão simples. Freud conclui: Nos vemos assim obrigados a dar razão aos poetas que adoram contar histórias de pessoas que amam sem o saber, ou que não sabem se amam, ou ainda, que acham odiar aqueles que amam (Freud, 1920, p. 276). Não devemos, no entanto, nós mesmos nos enganar: esse amor não é o da paixão, no caso, a paixão é a ignorância. O amor aqui ignorado está no campo do desejo, aquele frente ao qual o neurótico se acovarda, aquele ao qual cede, o que tem por conseqüência, a culpabilidade – Freud o desenvolve, como é sabido, em Mal estar na cultura (Freud, 1930). Por sua vez, para o amor enquanto paixão, o caso da Jovem homossexual é, sem dúvida, um paradigma na obra freudiana, – não é o único, certamente, Schreber também é outro. Como acontece o apaixonamento pela Dama?
Freud diz que, nesse caso, há um enamoramento por mulheres. Inicialmente, este apaixonamento aborrecia os pais (mais o pai do que a mãe), mas eles não o levavam muito a sério. É preciso observar que a Dama não foi a primeira mulher que interessara à Jovem, Freud relata que houve mesmo uma professora na infância. Na época,ela própria percebera o quanto fora tomada por esse primeiro enamoramento, mas as sensações ainda eram poucas (sic). Não havia sensações intensas do enamoramento, “até que, a partir de uma determinada Versagung, surge uma reação totalmente excessiva que põe à mostra que aqui se trata de uma paixão arrebatadora (vezehrenden Leidenschaft),de força elementar” (Freud, 1920, p. 275). E Freud conclui: aqui também havia ignorância, pois a Jovem jamais antes prenunciara que se tratava de tal tempestade anímica, ou seja, era ignorante quanto a seus efeitos.
Essa última frase nos mostra que Freud julga os enamoramentos anteriores como tendo tido a mesma raiz de sua última paixão, pela Dama, somente a Jovem ainda não se dera conta disso. Ela só foi se dar conta, por ser então arrebatada, no momento do desencadeamento, conseqüência da Versagung. De que forma essa observação de Freud pode nos ajudar ainda hoje a esclarecer a vertente da paixão no amor?
Sabemos que a questão em jogo, determinante no caso, foi o nascimento do último irmão da Jovem, quando ela já tinha quinze anos, revelando-lhe que seu pai continuava a escolher a esposa (sua mãe)como parceira, o que era entendido pela Jovem como traição do pai. Freud desenvolve seu raciocínio à luz da teoria do complexo de Édipo: ela estaria vivendo a fase da revivescência do complexo de
Édipo infantil, típica da puberdade, quando sobreveio a decepção com o pai que em vez de fazer um filho com ela, o fez com sua mãe. Isso a teria levado a romper com o pai e a provocar nele o ódio –afinal, não havia melhor meio de atingir o pai do que se envolver com uma mulher, ela já o sabia a partir de reações anteriores do pai. É essa decepção com o pai que Freud denomina de Versagung e é ela que desencadeia o acting-out da Jovem: mostrar-se acompanhada da Dama para o pai. Assim, o amor apaixonado pela Dama, essa terceira paixão, revela sua origem: a Versagung.
Se Lacan condena a tradução de Versagung por frustração, coqueluche da psicanálise de meados do século, a palavra em alemão aponta uma não realização, algo de não realizado. Nos Escritos, Lacan o traduz por renúncia*8 . Em seu Dicionário, Luiz Hanns (1996) o associa com a falha, a recusa, a rejeição. É porque a fantasia edípica não se realiza, é porque essa não realização põe à mostra uma falha, e mesmo uma impossibilidade, em última instância, a castração, que a Jovem, negando-se a
reconhecê-la, desenvolve uma paixão que tem por função velá-la.Ora, são absolutamente comuns em nossa clínica os casos de moças que se apaixonam por Damas
ou por outras moças. Freud, aliás, ao reler o caso Dora anos depois, se dá conta do que então chama de bissexualidade das histéricas, ou seja, também Dora se apaixona pela Sra. K. É que na adolescência da moça já não é mais possível velar a falha do pai que não pode responder sobre a mulher. A moça ama outra mulher por lhe supor um saber sobre o que é a mulher, particularmente, quando essa mulher é sedutora e, mais particularmente ainda, quando ela é capaz de seduzir o pai – é o caso da
Sra. K, em Dora. A Versagung certamente vem daí: se até antes da adolescência o sujeito faz de tudo para atribuir uma consistência ao pai – sempre imaginária –, a falha do pai já não pode ser velada com a entrada da adolescência, a não ser que o sujeito procure velá-la de outra forma, pela via da paixão. No caso da Jovem em questão, ela sobrevêm nas três versões que discutimos nesse trabalho: o ódio, a ignorância e o amor. Mas isso porque, no caso dela, a reação frente a castração mobiliza tal ódio que renuncia ao pai –conforme o ditado popular, poderíamos dizer, joga fora o bebê com a água, ou seja, odeia não só o pai que a trai com a mãe, como também o pai da função paterna. Assim, não pode se servir do pai para sustentar suas próprias escolhas. O que fica não realizado no caso da Jovem homossexual é o
desejo do pai na função paterna, e é disso que ela se vinga com a Dama, já o vimos quando falávamos do ódio. Esse desejo seria, sem dúvida, a possibilidade de uma resposta do sujeito à pergunta do Che vuoi?, decidindo sobre ela. Na falta desse desejo, que aponta a falta fundamental, que Freud chama de desamparo fundamental e que é, no fim das contas, a prova para o sujeito de que o Outro só existe no simbólico, a Jovem desenvolve sua paixão na tentativa de colmatar o rasgo real que o fura, ou seja, continua se sustentando a partir da fantasia edípica, respondendo de forma fantasmática à sua questão, indignada diante do pai real – agente da castração.
A paixão pela Dama surge então na tentativa de preencher o Outro imaginariamente, dando-lhe o ser que lhe falta, conforme a direção que Lacan nos deixou em seu Seminário XI.
Artigo de Sonia Alberti, in www.revispsi.uerj.br/vln/artigos/artigos2.html
NOTAS
* Psicanalista e Professora Adjunta do Instituto de Psicologia da UERJ. Doutorada em Psicologia
pela Université de Paris X – Nanterre.
*1 Lacan in Vieira, 1998, p. 134.
*2 As referências são ainda de Vieira, idem.
*3 No parágrafo 4 do capítulo sobre a “Alienação”, Seminário IX.
*4 Lacan, 1960, p. 815.
*5 Termo grego que corresponde a “amante”, e que Jacques Lacan pode desenvolver a partir dos
diálogos do Banquete de Platão, em contraposição ao termo “amado” (cf. Lacan, 1960-1).
*6 “Ela própria tinha sido neurótica por muitos anos, alegrava-se por ter sido bastante poupada
por seu marido, tratava seus filhos de forma bem desigual (...)” (idem, p. 259).
*7 Idem, p. 272. Conhecemos, de Dora, como isso pode atingir Freud em seu ser...
*8 “[...] Versagung, o que implica renúncia e, portanto, grifa toda diferença do simbólico para o
real, [...] sobre a qual podemos dizer que a obra de Freud se resume em lhe dar o peso de uma
nova instância” (Lacan, 1956, p. 460)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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o Corte Freudiano. Brochura. 1991
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Psicanalítica, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 121-138, jan./jun. 2000. Baseado no texto “Le ravage
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VIEIRA, M.A. L‘Éthique de la passion. Rennes: PUR, 1998.
ABSTRACT
Passions are here taken as one of the possibilities the speaking being has to avoid his structural fault.
On one hand, the text distinguishes passion and desire, on the other one, it articulates the field of
passions with the psychoanalytical clinic, in particular, a case published by Sigmund Freud in 1920.
Its analysis is supported by the theoretical and clinical contributions of Jacques Lacan who thinks the
field of passions based, on his turn, on Spinozas triad: love, hate and ignorance. Futhermore, the
interest is to reread a particular case of Freud, not as known as others, and answer some questions
related to this case which could resolve many problems issued out of our contemporany clinical
experiences as psychoanalysts.
KEYWORDS:
Passion and desire; Love – hate; Ignorance; Young homosexual; Lacan and Spinoza

A des-sublimação da Dama

Texto enviado por: Ramón Castillo (email: yonolosedecierto.losupongo@gmail.com)


La des-sublimación de la Dama.

Preámbulo.

A lo largo de las siguientes líneas hablaremos de aquello de lo que no podemos hablar. Es decir, en principio hablabamos desde imágenes presentadas como realidades objetivas, pero ¿quién puede hablar de ‘objetividad’, sin caer por ello en el reflejo infinito de un par de espejos contrapuestos? Por supuesto que nosotros no… y aún sin embargo, hablamos y escribimos, pero lo hacemos mediante un largo rodeo, un juego en el que no se escamotea la posibilidad de experimentar. Experimentar con lo que se dice o lo que se piensa, con el discurso que se divide en el objeto del que se habla así como en el sujeto que lo habla, desdoblamiento que duplica, multiplica y complica al mundo. Pasaje inextinguible a través del cual el pensamiento emprende la tentativa de crear, aunque sea a tientas y de forma temblorosa, figuras intelectuales de ascendencia mestiza. Por que hablamos, en definitiva, siempre desde el borde de lo que no conocemos, de nuestros propios fantasmas, de la trama tejida deliberadamente para cubrir el fondo de nuestra propia ineptitud, es decir, como en este caso, intentar expresar algunas palabras sobre la Mujer.

El plan del siguiente trabajo juega un poco con el corazon mismo de la dialectica hegeliana, el aufhebung, que en su devenir niega y supera constantemente el momento anterior; en este texto, entonces, primero se niega la existencia de la mujer o concretamente, de la Dama, que en palabras de Lacan carece de consistencia ontologica positiva y que según Deleuze en su estudio sobre el masoquismo solo funge como ideal inalcanzable. En un segundo momento dialectico, se niega la negacion, es decir, negamos que no haya Mujer, afirmamos que existe como fantasma masculino, como elemento que trastoca el orden y los elementos de toda ecuacion, siguiendo la lectura de Baudrillard en De la seduccion, podemos decir que la mujer separada de aquello que demarca el terreno de las diferencias de lo masculino y lo femenino, a saber, la ley falica, pierde estatuto ontologico para ganar libertad en el terreno de la apariencia, no se desplaza en el poder sino en el juego. Por ultimo, como superando, pero a la vez conservando todo lo anterior, llegamos al punto en el que tras comprobar precisamente la inconcistencia de un discurso en torno a la mujer, nos inclinamos por la consistencia material de las maquinas desantes, el deseo que invariablemente se torna causa y efecto en todas sus manifestaciones, punto de partida y destino que crea y muta momento a momento. En conclusion: se intenta des-sublimar a la Mujer para buscar su desaparicion, para concretar su indeterminacion ontologica y afirmar el deseo en su grandiosa impersonalidad.








1. - Negación.

La sublimación de la Dama, o la inexistencia de la mujer.

Habría primero que aclarar el sentido de la “sublimación”, tal y como lo utilizaremos en este trabajo. Se suele considerar que la sublimación es el “desplazamiento de la investisión libidinal del objeto ‘bruto’ que supuestamente satisface alguna pulsión básica, hacia una forma de satisfacción ‘elevada’, ‘cultivada’…” . Sin embargo, para Lacan, la sublimación es algo distinto.
En primer lugar, la Cosa o Das Ding es “aquello en torno a lo cual se organiza todo el andar del sujeto” , sin embargo, el carácter paradójico de la Cosa es que ésta “no sólo no es nada, sino literalmente no está – ella se distingue como ausente, como extranjera” . Es decir, la cosa siempre está “más allá”, es inalcanzable por naturaleza, como lo es el deseo nunca satisfecho por la madre. Por lo que Lacan dirá que la fórmula de la sublimación es que “ella eleva un objeto…a la dignidad de la cosa” .
Ahora bien, podemos decir que la Dama es la sublimación, llevada a cabo por el amor cortés, es decir, un objeto cualquiera – en este caso, una mujer de carne y hueso- se eleva a la dignidad de la Cosa, pero como ya vimos, ésta es inalcanzable. “Es así como lo imposible se transforma en lo prohibido por medio de un corto circuito entre la Cosa y algún objeto positivo que se torna inalcanzable mediante obstáculos artificiales” .
La Mujer, por tanto, no existe como tal, habrá mujeres de carne y hueso, de existencia material, pero no la Mujer, la Dama, pues ésta es la Cosa siempre ausente.

La Dama del masoquismo.

El ideal de la Mujer para el masoquista es, según lo expuesto por Gilles Deleuze en Presentación de Sacher-Masoch, el punto medio entre tres tipos de mujeres; a saber, la “mujer pagana, la Griega, la hetera o la Afrodita generadora de desorden” por un lado, por otro, “la sádica, a quien le place hacer sufrir, torturar” . En medio de ambos extremos, encontramos la figura ideal de la mujer, una mujer que se mueve pendularmente de un lado a otro, ella es como la naturaleza: “en sí misma es fría, maternal, severa. He aquí – nos dice Deluze- la trinidad del sueño masoquista: frio-maternal-severo, helado-sentimental-cruel” . La madre oral, es buena, pues ella misma puede cubrir las funciones de las otras dos, síntesis que atrae lo esencial de cada figura materna . La triplicación de la madre, no hace sino constituir un orden simbólico en donde el padre no es necesario. La Mujer, en el fantasma masoquista es el ideal que anula toda función paterna, la ley queda burlada…
Sin embargo, parece que esta mujer ideal, tampoco existe, o en otras palabras, es una construccion artificial dentro del fantasma masoquista, via la magnificación de la madre y la denegacion anuladora del padre, en el contrato, para salvaguardar la cohesión de su puesta en escena.
No existe pues, la Dama o la Mujer, sino en tanto gozne que alimenta el fantasma masculino, que cohesiona la escena de un deseo famelico.


2.- Afirmacion.

El juego, la regla, la inmanencia…

Baudrillard, nos habla de la regla en clara oposición a la Ley. Ley fundamental que prohibe el incesto, que torna al deseo en deseo de sí mismo, en carencia fundamental, ausencia ontológica que sostiene, que promueve, que activa una búsqueda incesante destinada siempre al fracaso.
La regla es inmanente, la ley se quiere trascendente; la primera es un proceso convencional, la segunda se manifiesta como coaccion y prohibición; una es reversible y observable, la otra, se quiere continua e irreversible; la regla carece de sujeto, no está ahí para ser interpretada, mucho menos para creer en ella, en cambio la ley, es representativa y necesita de la intepretación, se debe creer en ella…
La regla nos libera de la ley, se le rodea, no se transgrede, pues la transgresión misma establece y mantiene a la ley, es decir, la ley lleva en si su propia transgresión, la regla en cambio, pertenece al juego liberador de la inmanencia, del acuerdo…
“La regla actua como simulacro parodico de la ley. Ni inversión, ni subversión, sino reversión de la ley a través de la simulación” .
La regla se despliega en un juego de apariencias, en el cual lo femenino se desplaza como imagen inexistente, pero liberada de toda ley, abierta al espacio de lo posible, de la invención de sí misma, suspende la ley falocéntrica, actua- juega, se burla de todo intento de aprehensión…

El humor…

Despliege del masoquista ante el padre, burla de la Dama que actua su papel de Ideal inalcanzable, se mofa de las maneras burguesas de su siervo, se asume como ‘minoría’; su papel en apariencia es ‘menor’ en el teatro puesto por su esclavo, pero no nos engañemos, es ella la que abre nuevas rutas, se deshace de su aparente contingencia material revistiendose del papel de la madre oral, buena, se desterritorializa, no hay preeminencia del contenido sobre la forma, pues “el deseo no es forma, sino un proceso” , el deseo se manifiesta como plenitud, como intensidad que recorre no solo el cuerpo del castigado, sino tambíen el de la dominatriz, pues es ella quien “asegura la conversión de las fuerzas y la inversión de los signos. El masoquista ha construido todo un agenciamiento que traza y ocupa a la vez el campo de inmanencia del deseo, consituyendo consigo mismo, […] un cuerpo sin órganos o plan de consistencia” . En el masoquismo el papel de la mujer es positivo pues “la feminidad es postulada como no carente de nada” , las conjunciones disyuntivas entre la mujer-verdugo y el hombre-sirviente, abren canales distintos para que el deseo corra en forma continua, anarquico, evitando la ley, burlándose de toda carencia… Es el homenaje de Kafka a Sacher-Masoch, es la mujer envuelta en pieles en el cuadro colocado en la habitación de Gregor Samsa - por cierto, posible acróstico de Sacher-Masoch - es la burla al proceso obsceno de la ley, en el cual Joseph K. expresa que “la culpabilidad en si misma no es sino el movimiento ficticio, ostentoso, que oculta una risa íntima” , su propia risa ante una ley que se quiere trascendente…

3. Superacion.

La Dama que calla, la mujer sonriente…

Si hablamos de inexistencia femenina, no es ¿acaso por que el hombre la quiera mantener a distancia? Demasiado obnubilado por su presencia, puro juego de apariencia, incertidumbre manifiesta, dice Baudrillard, “si la feminidad es principio de incertidumbre, esta será mayor allí donde la misma feminidad es incierta: en el juego de la feminidad” . Juego de los signos, parodia de su propia inexistencia a la vista de los hombres, tal cual y ellos la imaginan, es decir “en contra de cualquier búsqueda de una feminidad auténtica, palabra de mujer, etc., se dice aquí que la mujer no es nada, y que ahí reside su poder” . Se niega de esta forma, cualquier idealización de corte platónica, el modelo de la Dama del cual participan todas y cada una de sus simulaciones… es a los ojos de los hombres, absortos por la inconmensurabilidad del goce femenino que prefieren mantenerla lo mas lejos posible. “Goce de la mujer, mi exterior absoluto, estallido de la carne en mi propia carne, convulsiones que me fascinan como puede fascinar un desierto o un océano porque me excluyen, y consagran una especie de indivisión natural que se basta a sí misma; no hay fracturas en este delirio infinito que nunca cesa de mantener el hombre a distancia, de deportarle trazando en torno a él imperceptibles, pero infranqueables cercos” . Es un cielo abierto del cual desconocemos todo, se le inventa, se le desea nombrar, pero indefectiblemente, nos supera, no es posible hacer una descripción, un informe o reporte al respecto; baste sólo observar que el ideal se difumina en el momento en que asumimos nuestra inconsistencia ante su goce, cuando la presencia de su juego nos desborda transmutando los signos…
Si quisiéramos hablar de igualdad, cosa que no haremos, seguiríamos falseando todo lo concerniente a lo femenino, jugariamos el papel estúpido de aquel que quiere atrapar una sombra en movimiento; a lo sumo, hablaremos del deseo, un deseo que no es únicamente sexual, sino condición fundamental que arranca de una plenitud, de una indiferencia, de una constante despersonalización, intensidades que no están sujetas a género alguno, deseo puro, desbordante, que se bifurca a cada momento proyectando nuevos espacios, nuevas sensibilidades, nuevas maneras de pensar. El deseo mismo sostiene su propia lógica, afirmativa y comunicante, necesaria e ineludible, singular y nómada, el devenir se torna acontecimiento necesario, mas siempre azaroso, el devenir-mujer es entonces, dinámica incansable que no cesa de aflorar, búsqueda de nuevos territorios, fuga constante, momento siempre a venir…


Ramón Castillo.

Bibliografia.

- Baudrillard, Jean. De la seducciòn. Editorial Catedra.
- Bruckner, Pascal y Finkielkraut, Alain. El nuevo desorden amoroso. Anagrama.
- Deleuze, Gilles. Presentaciòn de Sacher-Masoch. Lo frìo y lo cruel. Amorrortu Editores.
- Deleuze, Gilles y Guattari, Fèlix. Kafka. Por una literatura menor. Ediciones Era.
- Deleuze, Gilles y Guattari, Fèlix. Mil Mesetas. Editorial Pre-textos
- Lacan, Jacques. El Seminario. VII La ètica del psicoanàlisis. Ediciones Paidòs.
- Žižek, Slavoj. Todo lo que usted siempre quiso saber sobre Lacan y nunca se atreviò a preguntarle a Hitchcock. Manantial.
- Žižek, Slavoj. El acoso de las fantasias. Editorial Siglo XXI.

Homossexualidade Feminina: O(s) traço(s) que traça(s)

Agora era fatal que o faz-de-conta terminasse assim
Prá lá desse quintal era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar :O que é que a vida vai fazer de mim?
(Chico Buarque, João e Maria)

Para a psicanálise o tema “homossexualidade feminina”, desde Freud até a atualidade, vem sendo alvo de estudos, pesquisas e especulações, que dão ao assunto o status de enigma. Sabemos, porém, que são múltiplas as nuances e inúmeros os percalços que podem levar o sujeito, biologicamente homem ou mulher, a escolha homossexual.
Tentar apreender a complexidade que tal escolha envolve não é tarefa fácil, embora tais dificuldades não nos impeçam de tentar este desafio.
Recorrendo a Freud, podemos vislumbrar o caminho a percorrer. Teorias elaboradas por ele, através da análise de pacientes neuróticos, destacam a importância das identificações com os pares parentais e do complexo de castração (presentes na teoria do Édipo) como fatores que desempenham papel fundamental na formação da sexuação.
A descoberta do Complexo de Édipo demonstra que a orientação do desejo e das escolhas feitas pelo sujeito, dentre elas a escolha de objeto de amor, são marcadas por investimentos objetais e identificações baseadas na vivência edípica, sempre dual.
Nos Três ensaios, Freud já observa que a pureza da masculinidade ou da feminilidade é equivocada e desenvolve o conceito de bissexualidade originária de um desejo inconsciente
“todo indivíduo revela uma mistura dos traços de caráter pertencentes a seu próprio sexo e ao sexo oposto e mostra uma combinação de atividade e passividade”. Freud, 1905 p.226.
Nesse contexto, Freud vai admitir que na dinâmica psíquica do inconsciente, há no indivíduo toda a “condição” para inclinação tanto para um sexo, quanto para o outro, senão para ambos. Deste modo, a sexualidade humana, antes atrelada ao biológico ou social, passa a ser vista pela ótica da dinâmica psíquica do inconsciente. Em certo sentido, a sexualidade se pluraliza com a noção de bissexualidade originária.
Na teoria freudiana, não haveria sentido ipso facto para o sujeito “tornar-se homossexual”. Não existe, portanto, uma receita, uma equação cartesiana ou um único caminho a ser seguido, que indique que o indivíduo escolha a homossexualidade em detrimento da heterossexualidade. Freud, no entanto, “perseguia” as origens psíquicas da homossexualidade como que tentando construir um caminho que o levasse às origens da sexualidade “perversa”, e quando referia-se a bissexualidade, queria dizer apenas que a sexualidade humana é tão incerta, que há possibilidades de “escolha” como objeto de desejo, tanto um homem quanto uma mulher, senão a ambos. A escolha sexual é da ordem do inconsciente, não é “planejada”, como também é contingencial toda a escolha vivenciada pelo sujeito no que diz respeito ao outro.
Bem, se há uma disposição originária para a bissexualidade em todo ser humano e não existe fórmula que determine a escolha sexual, então como tornar-se homem ou mulher?
Freud considera que a diferenciação do homem e da mulher só ocorre tardiamente, ou seja, após a fase fálica, o que só é possível devido ao desenvolvimento da pulsão sexual.
Em seu trabalho “A organização genital infantil”, Freud nos mostra que, tornar-se homem ou mulher está condicionado a subjetivação da função fálica, ou seja, a forma com que cada um se vê em relação ao falo. Esta relação com o falo é sempre dolorosa, estando a angústia de castração de um lado e, do outro, a Penisneid.
Em seu trabalho intitulado “Homo, Hetero, Trans: O Enigma da Sexualidade, Dulce Duque Estrada destaca: “...Na dissolução do Complexo de Édipo, movido pelo temor da castração, o menino opta por retirar desta (mãe) a sua carga libidinal, para dirigi-la no futuro a outras mulheres, identificando-se com o pai, num processo aparentemente simples, embora sujeito a acidentes de percurso. Para a menina a coisa é bem mais complicada, envolvendo – a partir da decepção de constatar uma castração já efetuada- trocas de objeto (mãe pelo pai), de zona erógena (o clitóris pela vagina) e, em suma, de uma modo de satisfação ativo (o desejo de ser o falo para a mãe) por um modo passivo: receber o falo do pai.” O que garante a menina o acesso a feminilidade é, para Freud, o resultado do recalque da atividade sexual endereçada a mãe, primeiro objeto de amor.
Podemos ver, então, que tornar-se homem ou mulher envolve processos extremamente complexos, principalmente para a mulher, que além de estar condicionada ao recalque parcial da sexualidade, ainda se engaja em uma espera (sempre frustrada) de receber o falo do pai. Ela está, portanto, aprisionada a um registro masculino. Ainda segundo Dulce Estrada “... a única saída honrosa que Freud parece encontrar é a troca do desejo de obter o falo do pai pelo desejo de ganhar um filho do pai, criando, ao lado da equação “pênis=falo”, uma nova equivalência “filho=falo”, que não responde a questão do que é uma mulher, já que feminilidade e maternidade não são a mesma coisa”
Portanto é a experiência da decepção fálica, da castração o caminho possível para a mulher. É essa decepção, da ordem do desejo e da demanda, que, segundo Lacan, introduz a falta e a relação com o falo.
Então, a conclusão a que chegamos é que a castração na menina, que ocorre com todo esse processo de descoberta de que a mãe também é castrada, é o divisor de águas. A partir desse ponto, seu destino enquanto mulher pode tomar três vias: abandonar os impulsos sexuais tornando-se frígida; identificar-se com o pai, conduzindo ao “complexo de masculinidade” e, em alguns casos, provocando a homossexualidade ou, finalmente, escolher o pai como objeto de amor, ascendendo á feminilidade.
Ainda não conseguimos explicar, “claramente”, a (homo)sexualidade feminina . Não conseguimos explicar, diante de tanta complexidade, o que mais ainda influi nessa escolha. É um longo caminho a ser percorrido. Continuemos avançando...

Chrystianne Castro

Referência Bibliográfica:
FREUD, S. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905) Op. cit .Rio de Janeiro: Imago, 1972, v.7.
FREUD, S. Organização Genital Infantil (1923) Op. cit. Rio de Janeiro: Imago 1972, v.19.
Gontijo, T. Quando uma mulher ama outra In Destinos da Sexualidade. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004
Duque Estrada, D. Homo, Hetero, Trans: o Enigma da Sexualidade In Destinos da Sexualidade. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004
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segunda-feira, 17 de março de 2008

As condições do amor na homossexualidade feminina

A priori a psicanálise não tem nenhum preconceito a favor nem contra o amor das mulheres homossexuais.Cabe a cada sujeito ver o que lhe vale como amor ou não. É preciso distinguir a homossexualidade do que se pode chamar o amor homossexual de conjuntura para um sujeito neurótico histérico, que, de fato, não vale para ele e não é muito duradouro. Às vezes, é mais uma forma de continuar ligada ao amor da mãe, de estar amando uma companheira com a qual se repete o que foi a relação amorosa e a demanda de amor à mãe. Isto não é a verdadeira homossexualidade. O amor homossexual é um amor feminino, não é um amor neurótico, não é um amor histérico, é um amor louco também. O amor homossexual, se se aproxima da perversão, é na medida em que a homossexual quer, com seu amor fazer existir o gozo d’A Mulher. Portanto é um amor no qual ela se apresenta como superior ao homem, como aquela que saberia fazer gozar a uma mulher e que denuncia e desafia a insuficiência do fálico. O amor homossexual é o que situa a face deus do gozo feminino, é um amor que diviniza a mulher. Daí ter essa dimensão de culto, de adoração, com o que se aproxima da perversão, no sentido de fazer-se o agente, o instrumento do gozo absoluto do Outro. Essa seria a parte perversa, não como perversão moral, mas no sentido psicanalítico de quem sabe fazer gozar o Outro e que desafia e demonstra que os homens não são os que realmente se aproximam do gozo feminino, porque têm o limite fálico.
(Carmem Gallano, La Alteridade Feminina, pág 30, Asociacion de Foro del Campo Lacaniano de Medellín,2004)
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domingo, 16 de março de 2008

Quando uma mulher ama outra....

SEMINÁRIO: A JOVEM HOMOSSEXUAL – Ata de 14/3/2008

Rui Barbosa Júnior

Ao se referir à homossexualidade de sua paciente, Freud explica o seguinte:

."..no exato período em que a jovem experimentava a revivescência de seu complexo de Édipo infantil, na puberdade, sofreu seu grande desapontamento. Tornou-se profundamente cônscia do desejo de possuir um filho, um filho homem; seu desejo de ter o filho de seu pai e uma imagem dele, na consciência ela não podia conhecer. Que sucedeu depois? Não foi ela quem teve o filho, mas sua rival inconscientemente odiada, a mãe. Furiosamente ressentida e amargurada, afastou-se completamente do pai e dos homens. Passado esse primeiro grande revés, abjurou de sua feminilidade e procurou outro objetivo para sua libido."

A propósito, no artigo "A violenta repetição do Édipo na adolescência: o caso de uma jovem homossexual",os autores esclarecem que a noção de violência, conforme o termo é empregado, se refere à “violência psíquica, vinculada à de trauma, e relativa a um excesso pulsional muitas vezes desencadeado pela própria entrada na puberdade, e que ultrapassa a capacidade de simbolização por parte do sujeito.”
Prosseguindo, Freud afirma que a jovem não só repudiou seu desejo de um filho, como o amor dos homens e o papel feminino em geral. Esse seria o único caminho a ser seguido por ela, mas o mais extremo: “ela se transformou em homem e tomou a mãe, em lugar do pai, como objeto de seu amor".
Thais Gontijo nos lembra que, de acordo com a doutrina do Édipo, a homossexualidade, como conseqüência da bissexualidade, existe em todos os heterossexuais. “Identificar-se ao pai e passar a amar posteriormente as mulheres como o pai ama a mãe denota uma passagem da rivalidade com a mãe para o amor pelas pessoas do mesmo sexo”. Acrescenta que essa visão tem sido defendida por alguns até hoje.
Em seguida, a autora traduz as palavras de Lacan no “Congresso sobre a Sexualidade Feminina”:
...a homossexualidade na mulher seria melhor definida se não passasse pelo apoio cômodo da identificação, tratando-se essencialmente de uma substituição de objeto: um desafio aceito. [...].A substituição parece vir acoplada ao desafio, característica muito presente na homossexualidade feminina e, às vezes, tão forte que a pessoa se dispõe a perder tudo, apenas para conseguir levar adiante seu desejo sexual. A figura paterna é extremamente desafiada no que diz respeito ao seu poder, talvez para demonstrar ao pai como se deve amar. Há, pelo menos, uma coisa que o pai tanto não pode quanto não sabe. Logo, o desafio tem sua origem em uma exigência de amor, situando o desejo como um desafio ao desejo paterno.
Os modos de configuração homossexual, entretanto, são tão diversos quanto na heterossexualidade, “incluindo-se aí o fator de sua diferenciação quanto a seu estatuto na neurose, na perversão ou na psicose”. No texto "A homossexualidade, a partir da lógica da sexuação",Serge André, coloca que uma via preferencial de acesso à questão homossexual na clínica seria a pergunta: Já que não há elemento comum entre as várias soluções, então “o homossexual” não existe?
Dizer-se ou ser dito homossexual, esclarece André, é um fato de discurso: “um fato de discurso é uma fala que [...] tem por função criar ou confirmar a existência, entre esses sujeitos, de um vínculo social.”.
As idéias aqui pinceladas nos levam a refletir sobre a complexidade da questão homossexual: qual sua gênese, quais seus reflexos no sujeito, quais suas implicações sociais? Como abordá-la eticamente em uma análise?



Freud, S. Psicogênese de um caso de homossexualidade feminina. (1920). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freu, pp. 169-170. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
Palmeira, C.G., Veloso Filho, C.L., Cardoso, M. R. A violenta repetição do Édipo na adolescência: o caso de uma jovem homossexual.
Gontijo, T. Quando uma mulher ama outra In Destinos da sexualidade, pp. 305-306. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
Melo, A. B, Naves, F.D., Azzi, I.C., Zago.L A homossexualidade a partir da lógica da sexuação In Destinos da sexualidade, p. 274. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

terça-feira, 11 de março de 2008

O livro "A jovem homossexual de Freud"...

Notícias
Lançado livro sobre 'A jovem homossexual de Freud'
26.01.2004
A verdadeira história de uma jovem da alta burguesia de Viena, que aos 17 anos se apaixona perdidamente por uma baronesa.

Essa história foi revelada pelas escritoras Diana Voigt e Ines Rieder no livro Sidonie Csillag ? Homosexuelle chez Freud, lesbienne dans le siècle, que acaba de ser publicado na França.

Sidonie Csillag (um pseudônimo para proteger a verdadeira identidade da personagem) nasceu em 1900 e morreu em 1999. A jovem paciente do professor Freud pertencia a uma família judia da burguesia vienense e freqüentava os círculos burgueses e aristocráticos da cidade. Depois da guerra, correu mundo para fugir do nazismo, primeiramente, e depois para garantir a sobrevivência, quando a fortuna de seu pai acabou. Até pelo Rio de Janeiro Sidonie passou, como governanta do filho do embaixador da França, em 1971.

Desde o início, Freud suspeita que aquele era um caso impossível. Depois de pouco tempo, decide suspender o tratamento da moça, que havia sido trazida a seu consultório pelo pai, após uma tentativa de suicídio.

Jacques Lacan dedicou duas sessões de seu seminário sobre a Angústia a esse caso que, segundo o tradutor do livro, Thomas Gindele, só interessou a Freud porque o professor vienense estava na mesma época preocupado com a questão do homossexualismo de sua própria filha Ana.(retirado de www.glx.com.br,em 11/03/2008)

quinta-feira, 6 de março de 2008

A jovem homossexual, ficção psicanalítica

No inicio do século, uma bela jovem coloca sua reputação e seu relacionamento familiar em risco ao se apaixonar por uma mulher de má fama, uma conhecida demi-mondaine da sociedade vienense. Esta estória se tornou conhecida no meio psicanalítico como "O caso da jovem homossexual".Sua leitura nos leva a várias questões importantes para a clínica e a teoria psicanalítica, desde Freud até Lacan.
Entretanto foi a um exercício diferente do exigido ao analista, na sua função, que as editoras Nina Rosa Sanches,Rosa Maria Abras e Teresa Cristina Rique Pinto Passos, da Editora Passos,1996, convidaram alguns analistas dispostos, dentro de seu estilo pessoal e por sua própria conta, a correr o risco de encarnar os vários personagens desta estória.
Como o leitor poderá se aperceber, trata-se de pura ficção. O resultado é surpreendente! Por incrível que pareça, não se perde, da estrutura, o fio condutor do caso. Não se perde a oportunidade de confirmar nas tramas da ficção, os pontos de fixão e os efeitos de questão postos pelo próprio Freud àquele tempo de análise!
Angela Porto